domingo, maio 25, 2008

Cidades Invisíveis ou Cesariana

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De noite, os colossos talhados em pedra
travestem-se em fantasmas de betão.
Apêndices de néon piscam ao longo das vias
as suas altas silhuetas de espectros.
Nos troncos altos cravados de balas
apagam-se luzes, reacendem-se fogos,
derrama-se a seiva coalhada das últimas horas
sobre tantos seres, sobre tantas vidas
quanto as que se entalharam por esses ramos fora.
A folhagem verde de uma gelosia que ainda desce,
cicia ao vento a sua verve impaciente pelo novo dia,
mas a cirurgia adensa-se e prolonga-se
no bloco operatório do bairro oeste.
Na sua fase mais delicada a noite saca
do bisturi providencial com que golpeia
os retículos das fachadas a china-clay.
A ramagem queda-se muda na maca:
silêncio pétreo de corpo inerte, anestesiado.
E uma a uma dos corpos-múmia,
por mãos assépticas e enluvadas,
são removidas as balas cravejadas
esterilizadas em finos sonhos de látex.
A ferida, essa, cose-se com a bruma,
para enfim vir a sarar num sono estéril.
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