segunda-feira, dezembro 31, 2007

O amigo de K.

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Max Brod
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É errado pensar-se que Kafka sacrificou a sua existência em prol da escrita. Não houve sacrifício, pelo contrário, segurou-se a ela como a uma tábua de salvação, ainda que no fim ele não se quisesse salvar: a doença minando-o e ele recusando mudar-se para receber tratamento mais adequado...
Como pode alguém biografar um autor que não teve propriamente vida? Pietro Citati convence-nos de que é possível. Citati mergulha nas profundezas dessa alma singular, tomando por ponto de partida a obra (ficção, diários, a imensa correspondência), para depois lhe extrair vívidos lampejos em linhas impregnadas de lirismo. Em última análise, à ficção que foi a vida de Kafka, Citati responde com ficção. E quem nos diz que um tal retrato não é menos válido e fidedigno que as elaboradas biografias convencionais?
Sendo Kafka um dos nomes mais influentes da literatura moderna, é tanto mais surpreendente pensar que hoje poderia estar remetido ao mais puro esquecimento. Pior: como se nunca tivesse existido. Não fosse a recusa de Max Brod em cumprir a vontade testamentária do amigo e as célebres páginas d’ O Processo, d’ O Desaparecido, etc., todo um legado civilizacional, nunca teriam visto a luz do dia; teriam antes conhecido o poder voraz das chamas ou, na melhor das hipóteses, ter-se-iam perdido no meio do pó de uma qualquer arrecadação.
Como é que alguém que dedicou grande parte do seu tempo e esforço a um projecto, delega num amigo a tarefa inglória de o erradicar da memória terrena? Nas pretensões de alguém que sempre primou pelo anonimato é suposto crer que se reserva ao mesmo desígnio póstumo? Não intuíra Kafka, ele que fora incapaz de se desembaraçar do trabalho de uma vida, que Max Brod jamais aceitaria condená-lo ao anonimato? Se assim primara em vida, não tentaria Max resgatá-lo para a posteridade, justificar-lhe as lutas, as desistências, as dores, e também desse modo manter vivo o seu nome entre os seus? – o seu nome inteiro e não um mero K. como o dessa personagem anónima, minúsculo grão engolido pela
intangível e poderosa engrenagem. Um amigo é um amigo, mesmo que isso envolva a desobediência ao mais derradeiro dos pedidos.
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We Hunger

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A ravenous greed
for a brood to feed
a lusting spawn
on a weekened fawn

do you hunger for this
hunger for this

sucking leaches feel the need
sucking dry unsated stomach pops

Sharpened knives with flying sparks
sagging bodies with stretch marks
and your belly aches

do you hunger for this
hunger for this
hunger for this
bled white with avarice

As the rust creeps
corrosion seeps a rotting seed

Eat me
feed me
with your beltching foul breath
your destructive kiss death

do you hunger for this
hunger for this
hunger for this
Just the taste of a sweet kiss

Shanghai'ed on a locust flight
the thirst from a vampire bite
fills the emptiness inside
consuming everything green-eyed

We hunger
We hunger

do you hunger for this
hunger for this
the bliss of a sweet kiss
hunger for this
hunger for this

We hunger
We hunger

Siouxsie and the Banshees, Hyaena (1984)
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domingo, dezembro 30, 2007

"O Capacete Dourado" (2007)

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"É uma história de amor e não há um beijo, há um beijo soprado, perdido logo no início da sequência da festa. Isso é uma coisa que inquieta muita gente." Jorge Cramez.

Apetece-me dizer que é o mais belo filme português depois de “Transe”.
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Maria Madalena

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"Mary" de Abel Ferrara

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“Mary” de Abel Ferrara é, até certo ponto, o que se costuma apelidar de um filme dentro de um filme. Juliette Binoche é Marie Palesi, uma actriz que desempenha o papel de Maria Madalena (uma das mulheres que ao terceiro dia após a crucificação se dirige ao sepulcro de Jesus e testemunha o seu desaparecimento). Durante as filmagens algo toca profundamente Marie Palesi. No fim da rodagem separa-se dos restantes elementos e enceta a título individual uma peregrinação, tanto exterior como interior, por Jersuslém. Uma busca inspiradora, pela coragem necessária para romper com o estado das coisas e se desligar de uma vida apesar de tudo confortável, certamente plena de desafios e experiências ricas, mas ao fim e ao cabo insatisfatória, incompleta, desligada da sua voz e vontade mais íntima. Tanto mais inspirador porque rupturas, à partida, garantem tudo menos um ponto de chegada e ao desprendimento das amarras opõem-se forças de bloqueio por norma paralisantes.

Sobre Maria Madalena, mesmo quem pouco ou nada saiba sobre a matéria (como eu), encontra aqui assunto de reflexão. Perceberá, até certo ponto, porque motivo, ao longo dos séculos, a Igreja, se não a considerou uma verdadeira ameaça, pelo menos a encarou com acirrada desconfiança. Em hipótese, Maria Madalena, a figura histórica, a mulher, parece-me antecipar em valor as questões de uma contra-reforma: a busca de Deus sem intermediários; ninguém a interpor-se entre o «eu» e o «divino»; a busca do «divino» em nós e nos outros. E por aqui, muito justamente, indica-nos também o caminho para a igualdade entre sexos, tendo-lhe valido, infelizmente, múltiplas inimizades que a relegaram, quando não ao esquecimento, a um papel mais que subsidiário: desde Pedro, passando pela Igreja de que foi fundador, às tradições vigentes e perpetuadas ao longo dos tempos.
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quinta-feira, dezembro 27, 2007

Prometeu agrilhoado [2]

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Gustave Moreau, Prometheus (1868)

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Por castigo desciam os abutres pela matina para lhe bicarem o fígado, lhe dilacerarem as entranhas; com a noite chegavam as tréguas, regeneravam-se os tecidos, cauterizavam-se as feridas para que no dia seguinte se cumprissem as mesmas façanhas. Mas porque raio o fígado e não outro órgão? É que talvez o mito até saiba uns elementos de fisiologia (e possivelmente de noitadas também): dos diversos órgãos é precisamente o fígado o que mais resiste até às últimas.
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Prometeu agrilhoado [1]

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Heinrich Friedrich Füger, Prometheus brings Fire to Mankind (c. 1817)

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Prometeu roubou do Olimpo para dar aos Homens: luz (do conhecimento) para que as suas vidas não fossem só penumbra. Para que não fossem meras traças rodopiando nervosamente, entrechocando-se, em torno da primeira tocha que alguém cunhasse como verdade. Como verdade única. Prometeu: das primeiras divindades a dar o coiro pela humanidade. Mas também, um exemplo em como fatalmente se habilita ao castigo quem ousa contrariar as teias do obscurantismo, ou, de algum modo, iluminar e desempoeirar as mentes subjugadas. Séculos passaram, nobres espíritos agonizaram, até que se apreendesse minimamente a lição. Mas ainda hoje, seja onde for, não se pode dizer de ciência certa que seja um dado (e um direito) adquirido. É antes um eterno duelo.
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Sonâmbulo

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Sonâmbulo, desaproveitas os raros cometas que se te atravessam. Desejos de que te recordes atrai-los ao vazio e já nada formulas ao olhar para o céu.
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