domingo, abril 30, 2006
Cada vez mais raro nos dias de hoje
Wittgenstein in Tractatus, 6.54
Os temas mais caros à humanidade como a vida e o seu sentido, o amor e a morte, têm sido discutidos desde tempos imemoriais; contudo, continuamos sem saber grande coisa sobre cada um desses mistérios. As palavras correm em catadupa, mas simplesmente não chegam lá.
Há alturas em que o silêncio vale mesmo ouro, em que as palavras estorvam mais que um carro estacionado em segunda fila. E hoje em dia parece que temos de ter uma opinião formada sobre tudo, uma adenda na cartola para todo o tipo de conversas e situações. Não há assunto que não seja escrutinado e a verborreia nunca teve tantos meios para se auto-propagar: telemóveis, blogues, jornais, revistas, etc... (é pá! isto pode ser preocupante: interesso-me por estes quatro exemplos que dei e podia dar mais alguns).
Por isso digo que parece cada vez mais raro nos dias de hoje: haver quem viva de forma intensa, mas em silêncio, aquelas experiências que de alguma forma nos ultrapassam. Falar nessas alturas é uma pedrada que destoa e arriscamo-nos a não dizer mais que meras banalidades.
“Em busca da piada perdida”
- Nº de volumes: ainda por contabilizar
- Estreia do próximo volume: Sexta-feira à noite
- Editor: RTP 1
«O Gato tem estado muito aquém das expectativas... Para quando o volume intitulado “A piada reencontrada”?»
Há Dumbos e Dumbos...
domingo, abril 23, 2006
sábado, abril 15, 2006
Interstícios de vida em blogue ausente
O que me inspira a blogar: a minha vida ou a ausência dela? Convoco a imagem excessiva, certamente bem viva na memória colectiva, do Ground-Zero para dar uma ideia do que por vezes sinto ser a minha não-vida actual: no meu caso, uma extensa área de destroços, para qual têm faltado projectos consistentes de reconstrução, mas sobrado hesitações para dar e vender nas barraquinhas que tenho montado nessa mesma área.
Nos últimos dias não tenho blogado e assim concluo, só para me manter fiel ao aforismo, que não tenho existido. O não existir na blogosfera, parece ter o seu paralelo na vida real ou será o contrário? Mas será que ao menos tenho aproveitado essa folga para viver realmente e para tentar reedificar-me de entre os destroços?
sábado, abril 08, 2006
Citação (7)
John O’Hara
quinta-feira, abril 06, 2006
“Riquezas Humanas” ou então, simplesmente, "Pessoas"
Não é tarefa fácil e é preciso merecer um tal desvelamento. À beleza interior de quantas pessoas, pode cada um de nós afirmar ter acedido sem qualquer entrave? Amizades assim tão profundas não abundam certamente por aí. Porém, também do meu ponto de vista e com certeza que muitos serão da mesma opinião, quando se fala de amizade, a quantidade é largamente suplantada pela qualidade. Mais vale poucos mas bons! Mas ainda assim, não se devia cair no erro tão comum, de remeter friamente à indiferença as pessoas que não conhecemos tão bem, sobretudo se na base dessa atitude estiver algo tão mesquinho como negar-lhes o potencial de possuírem também elas igual riqueza e valores únicos, só pelo facto de ainda não lhes termos reconhecido tal potencial ou de termos desistido de o procurar.
Citação (6)
P.S. Sinto que me estou a tornar numa das piores espécies de parasitas: a do citador compulsivo.
.Raios X: antídoto?
.
quarta-feira, abril 05, 2006
Feedback terráqueo
Gostaria que todos os meus posts, à medida que saíssem, fossem alvo dos mais díspares comentários, em tudo semelhantes com o esquadrinhar, por parte dos terráqueos, das feições dos extraterrestres que sucessivamente se apeassem de um estranhíssimo objecto, levemente aparentado com um ovni, que tivesse aterrado na blogosfera. Eu sei que é pedir muito. Nem estes posts atraiem pela extravagância, como também versam sobre banalidades que não interessam a ninguém. Paciência! O homem sonha e a obra nasce, nem que esta esteja apenas fundeada na sua mente...
Poetry (4)
Sou
Sou o que sabe não ser menos vão
Que o vão observador que frente ao mudo
Vidro do espelho segue o mais agudo
Reflexo ou o corpo do irmão.
Sou, tácitos amigos, o que sabe
Que a única vingança ou o perdão
É o esquecimento. Um deus quis dar então
Ao ódio humano essa curiosa chave.
Sou o que, apesar de tão ilustres modos
De errar, não decifrou o labirinto
Singular e plural, árduo e distinto,
Do tempo, que é de um só e é de todos.
Sou o que é ninguém, o que não foi a espada
Na guerra. Um esquecimento, um eco, um nada.
Jorge Luís Borges
tradução de Fernando Pinto do Amaral.
terça-feira, abril 04, 2006
Não havia necessidade
Questões em pleno vôo
Quantos astros ao certo povoam o vasto universo?
Quem estica esta imensa corda inelástica?
Alguém segura na ponta dos dedos
(pinças criadoras, aparadoras do primeiro impulso)
este extenso leque de extremidades pulsáteis?
Quantas pessoas caminham neste preciso instante,
pelas ruas de todo o mundo? O que as faz correr?
Para onde vão tão céleres que não atentam em nada mais?
Porque tomam por esta via e por aquela não?
Mas que olhar frio e distante despendem umas às outras!
Serão incapazes de um esboço mais humano?
Mesmo que pálido, a intenção de um gesto inconformado?
Parece que todos os caminhos desembocam naquela praça lúgubre,
chamada Civilização, onde há anos se vêm montando embustes.
Vidas que se cruzam e assistem ruidosamente ao mesmo espectáculo,
ou figurantes sem nome numa peça inacabada e sem deixas.
Mas que género de conversa podem entabular dois estranhos?
Ouvirão realmente alguma coisa no meio da confusão dos bares e cafés?
Que onda varre, nestas salas de encontro ilusório,
o calor que emana dos seus corpos?
E de onde vêm as lágrimas que ofuscam os risos daqueles?
Que confessa este, cabisbaixo, e vergado por que culpa,
enquanto que ela, à sua frente, retém o avolumar do choro?
Porque abandona ela de repente o seu lugar,
sem que ele tentasse sequer consolá-la?
E agora... quem se detém ali à sombra do plátano,
mascando pastilha elástica e fixando o olhar no horizonte?
E o peso que este carrega às costas,
porque não o reparte com os ociosos
que admiram e vigiam a obra?
Para quando as respostas para tudo isto?
Para quando as respostas a perguntas sem sentido?
Espectros do passado
Amassar os espectros do passado
que a qualquer hora do dia
nos revisitam num fulgor anacrónico...
Poetry (3)
À Minha Alma
Sempre tiveste a rama preparada
para uma rosa justa; andas alerta
sempre de ouvido quente à porta certa
do corpo teu, à flecha inesperada.
Nenhuma onda acaso vem do nada
que não arraste de tua sombra aberta
a luz melhor. De noite, estás desperta
em tua estrela, à vida desvelada.
Signo indelével pões às próprias cousas.
E logo, feita glória de altos cumes,
reviverás em tudo quanto selas.
Tua rosa será norma para as rosas;
o que ouves, da harmonia; e dos lumes,
o teu pensar; e teu velar, de estrelas.
Juan Ramón Jiménez
tradução de Jorge de Sena.
Simplex: Detergentes, Burocracia, Poluição e Sinistralidade
Qualquer dia deixará mesmo de ser necessário sair de casa - que cenário tão concentracionário... Das motivações do governo respeitantes ao pacote de medidas baptizado com o nome Simplex (soa a marca detergente - que por acaso até existe -,
talvez porque se pretende dar a ideia de que com estas medidas simples, quais agentes tensioactivos, se procederá a uma lavagem em profundidade, com a consequente eliminação de nódoas que têm vindo a acumular-se e a denegrir - e de que maneira - a reputação da nossa burocracia), umas são bem conhecidas, mas diz-me a minha imaginação que haverá outras mais secretas, mas igualmente benéficas.
Assim, ao apelar para que as pessoas recorram cada vez mais à net para cumprirem as suas formalidades cívicas, o governo consegue numa só jogada várias proezas assinaláveis. As mais óbvias e propagandeadas consistem na redução e simplificação da carga burocrática que tem emperrado há anos a nossa administração pública e uma maior celeridade e comodidade para o cidadão. Mas, além disso, por vias sub-reptícias – e aqui entra a minha capacidade (pouca) efabulatória e alguma ingenuidade – pode talvez conseguir-se com estas medidas uma redução da sinistralidade rodoviária e das emissões de gases poluentes: o que seria um grandioso feito... Pois, mas eu por vezes não resisto a levantar os pés do chão e flutuar entre universos possíveis...
Continuando a fábula... Doravante, muitos cidadãos poderão tratar dos seus assuntos em casa, não tendo que se deslocar com tanta frequência às diversas repartições nos respectivos carros. (Obviamente que este ponto só vale para os que se delocariam de automóvel). Poupar-se-ia assim um pouco a nossa atmosfera, bastante maltratada nestes últimos anos por sinal. Todos nós sentimos os efeitos negativos da desproporcionalidade que existe entre as curtas distâncias transpostas (no geral, julgo que sejam curtas) entre casa e entre repartições e a quantidade de emissões poluentes que se soltam dos tubos de escape ao longo desses pequenos trajectos.
Outro aspecto mais ou menos evidente: uma menor circulação nas rodovias urbanas, pode reflectir-se numa diminuição da sinistralidade.
P.S. Please... não dêem muito crédito a este post...
segunda-feira, abril 03, 2006
Lyrics... an echo in my mind (2)
Coldplay – “Talk” (do álbum X&Y)
Oh brother I can't, I can't get through
I've been trying hard to reach you, cause I don't know what to do
Oh brother I can't believe it's true
I'm so scared about the future and I wanna talk to you
Oh I wanna talk to you
You can take a picture of something you see
In the future where will I be?
You can climb a ladder up to the sun
Or write a song nobody has sung
Or do something that's never been done
Are you lost or incomplete?
Do you feel like a puzzle, you can't find your missing piece?
Tell me how do you feel?
Well I feel like they're talking in a language I don't speak
And they're talking it to me
So you take a picture of something you see
In the future where will I be?
You can climb a ladder up to the sun
Or a write a song nobody has sung
Or do something that's never been done
Do something that's never been done
So you don't know were you're going, and you wanna talk
And you feel like you're going where you've been before
You tell anyone who'll listen but you feel ignored
Nothing's really making any sense at all
Let's talk, let's ta-a-alk
Let's talk, let's ta-a-alk
Sinopses & Leituras: "Singularidades de uma rapariga loira"
Conto de Eça, dos mais lidos ao que julgo, que narra o falhanço amoroso do sr. Macário, velho sexagenário, que dá largas a uma confidência sentida numa estalagem do Minho. A dada altura diz: "É a paz que dando os vagares da imaginação - causa as impaciências do desejo."
Macário rememora a sua antiga paixão juvenil pela jovem Luísa Vilaça - a loira singular a que alude o título -, e ainda os esforços e sacrifícios que terá suportado para granjear uma posição mais favorável que lhe permitisse desposá-la. Estando já de data marcada para o casamento, Macário descobria atónito, na ourivesaria, uma faceta singular de sua noiva Luísa que até então lhe era desconhecida - o seu pendor para o roubo, a sua pulsão cleptomaníaca - o que, fazendo eco junto de um estranho episódio que já anteriormente intrigara Macário, acabou por ditar a ruptura do noivado.
P.S. Leiam que vale a pena!
Poetry (2)
.
The African
Suffers poverty
Differently
From humans
The African
Suffers pain
Differently
From Humans.
The African
Sorrows, bereaves
Differently
From humans
The African
Suffers torture
Differently
From humans
Because the African pain
Is painless pain.
The African
Starves differently
From humans
Because it is African
To starve.
The African female
Endures rape
Quite differently
From women
The African child
Is a child soldier
A slave child
Or a mere street child.
The African migrant
Is an illegal migrant:
No citizen
But a refugee
In his home.
The African dies
Differently
From humans.
The African’s
Birth mark
Is a black scar
The African
Is African:
Not human.
That is why
African leaders,
A little more African
Than Africans,
Insist on
African solutions
To the African
Pathos.
.
CHRIS MAGADZA
Harare, 2005
.
domingo, abril 02, 2006
Citação (2)
Um post de uma amiga minha,
suscitou em mim uma premência de voltar a folhear o meu caderninho de citações, numa senda da qual apenas me dei por satisfeito ao deparar-me com esta frase de George Sand:“A partir do momento em que a vida se torna suportável, já não carece de análise. Arruinaremos um dia de sossego se teimarmos em dissecá-lo ao pormenor”
P.S. Em oposição ao que acima é citado e para dar que pensar um pouco, aponho a seguinte alusão, que creio ser de Aby Warburg, de que Deus se esconde no pormenor.
“School of Rock / Escola de Rock”
Pelo trailer e pelas críticas que li, estava bem ciente que este era um filme menor na sua filmografia, mas, para minha fruição, pus de lado todas essas ideias pré-feitas e devo dizer que achei muita piada ao filme. O que obviamente para mim funcionou como verdadeiro chamariz foi o seu actor principal. Falo de Jack Black (que num dos extras do DVD, se intitula a si próprio de “Tigre Branco”), e que sem surpresas “enche” o ecrã com o seu desempenho histriónico, transbordante de energia, com a sua entrega incondicional de corpo e alma (na pele de um músico medíocre e de um professor encapotado) a um ideal da música Rock enquanto escape e libertação de todos os grilhões impostos pela sociedade e pelos muitos “Men” (expressão que ele utiliza para significar todo aquele que exerce algum tipo de poder, sejam pais, professores...) que dos seus cargos deliberam à sua vontade as directivas que as massas conformadas não terão senão que obedecer. A exploração do tema rock'n'roll enquanto antídoto para males como o desinteresse e o conformismo não é propriamente novo, mas também não me parece que tentar ser original esteja nos horizontes despretensiosos deste filme. Seria muito bom se, em vez de querer à força toda significar mais partindo de matéria-prima insuficiente, todos os realizadores de pequenas comédias seguissem este exemplo e trabalhassem no sentido de obter um objecto coerente e em conformidade com os ingredientes de partida. Mas isso talvez seja pedir muito...
Citando Marcelo Baptista (Crítica do Leitor), trata-se de: "Um filme que mostra a paixão por esta arte que contagia o mundo chamada rock'n'roll." Um filme despretensioso para quem gosta de rock'n'roll e de umas boas risadas...
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Citação (1)
Primo Levi
"Le silence éternel des espaces infinis m' effraie"Pascal
sábado, abril 01, 2006
Tribuna solitária
Palavras & incógnitas
de sentidos apreendidos num pestanejar de cegos...
O Evadido
Sentidos aguçados. Respiração ofegante. Atravessar rápido de um baldio; agachado. O restolhar da erva seca. Mais adiante, uma frente de casas. Acendem-se luzes em algumas janelas. Medo de ser descoberto: palpitações. Forçado a tomar um desvio e rápida colagem às paredes do saguão. Latidos que se aproximam. Num canto escuro, umas escadas: uma tábua de salvação.
Uma janela entreaberta, a cozinha, o hall de entrada. Dependurado na parede, um retrato de uma personalidade conhecida. Da sala: o berreiro na televisão. Do quarto: o bater monótono de uma velha máquina de escrever. Um escritor sexagenário em trabalhos de paciência. Redacção das últimas linhas. Capítulo final do ansiado novo romance policial. O ranger inesperado da porta. A presciência de um vulto atrás de si: a mulher que vem dar as boas noites. O silêncio da máquina. O arco de um olhar. O corpo maciço de um estranho ofegante: “Vim acabar o seu livro!”. Um baque violento. Mergulho de cabeça sobre a máquina. Pingos de sangue distribuídos pelo texto, como sinais de pontuação..