sexta-feira, outubro 27, 2006
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Meus amigos e amigas leitoras/comentadoras: peço desculpa por não ter podido responder aos vossos comentários. Durante a semana tenho acesso muito limitado à net. Os computadores na faculdade são como o mel. A sala de informática é uma espécie de colmeia. Só ao fim-de-semana quando regresso a casa é que o posso fazer com mais tempo e à vontade. Beijinhos e obrigado por me continuarem a ler.
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Prazer matinal
. Prazer matinal: pequeno-almoço com estimulação multi-sensorial. Paladar e olfacto deliciados com uma tijelada de cereais imersos em leite com café. A visão acarinhada pelas figuras coloridas dos Looney Tunes que circundam a minha tijela preferida. O Coiote e as suas fauces muito pouco assustadoras. O Road Runner a deitar-lhe a língua de fora antes do mais que fugidio e inevitável bee-beep. O ar cínico do Duffy Duck. A bola de pêlo mais irrequieta à face da terra que é o diabinho Taz. Os olhares surpresos - como se apanhados em falta -, quer do Tweety, quer do gato Silvestre. Este último: caladito como convém para não me inquinar o pequeno-almoço com os seus perdigotos. O sorriso de pura alegria de alguém sempre de bem com a vida - o "bom-dia" do meu caro Bugs Bunny. A audição absorta (via phones) na música com que gosto de temperar as manhãs. E finalmente: o tacto a dar e dar à colher, até me saciar e sentir capaz de agarrar o dia logo pela manhã... .
Percursos paralelos
. Não desisto de uma manhã a teu lado. Nem do raiar do dia no teu rosto. Permaneço crédulo na união de vontades comuns. Vontade é um eufemismo de um desejo maior do que aquele que as palavras conseguem transmitir. Nesse aspecto, uma troca de olhares é fidedigno dessa escala; é quanto basta para saber da sua certeza. .
quinta-feira, outubro 26, 2006
Confortar-te a face oculta
.Enlaçar a lua, trazê-la uns instantes para terra, contemplá-la de perto e dar-lhe lustre sobretudo à face oculta..
segunda-feira, outubro 23, 2006
"Um lento desejo de dançar” *
. ... é o que sinto em noites assim. Música a condizer: deep house, com uns iMotion ou uns Tarentum... para esquecer as horas de abandono a um corpo inerte. . * verso de Ana Luísa Amaral. .
domingo, outubro 22, 2006
Casamentos, (re-)percussões...
.A sensação ambígua entre desconfiança, enfado e deleite que tenho em relação aos casamentos - à cerimónia em si -, vem, segundo fontes maternas, desde pequeno. Consta que percorria as filas de convivas distribuindo carinhosamente uns mimos em tudo condizentes com o ambiente festivo. A minha veia de percussionista dilatava-se proporcionalmente à dilatação dos muitos estômagos presentes. Devia achar divertido o som cavo que se percutia a cada soco de mão cheia que eu aplicava naquelas fileiras de costas dobradas sobre os pratos....
Estrelitas
. Sempre precisei de astros, luas, sóis e estrelas que me guiassem por entre turbilhões. Agora delineio a minha rota segundo um astro só. Seu brilho atravessa todas as distâncias e diz-me de si o que anseio por saber. A atenção prestada ao céu recompensou-me como nunca pensei. Passadas as intempéries, aportei ao cais de um novo mundo. Radioso, franqueou-me as suas portas. Enriqueci, sem gula nem avarezas, e um raio de luz na minha vida, uma onda de calor foi quanto bastou. Sigo-as por todo o lado, assim como elas seguem comigo. .
quinta-feira, outubro 19, 2006
Senha no bolso
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Coimbra é uma cidade soalheira a quem se dignar abrir os olhos. Mesmo em tardes chuvosas como esta, sentado numas escadas e de senha no bolso. (A burocracia é uma dama complicada, que gosta de se fazer esperar). Mais soalheira seria se todos os que trago comigo estivessem fisicamente presentes. Mas infelizmente não se pode ter tudo em simultâneo. Esse sempre foi um dos handicaps das opções... Mas as palavras, tal como as senhas, lá vão avançando fila acima até ao seu destino.
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sábado, outubro 14, 2006
quarta-feira, outubro 11, 2006
Defeito mitocondrial, probably...
.Detenho-me sempre por muito tempo em cada uma das cartas. O tempo de esgotar mentalmente as inúmeras promessas e possibilidades que ela parece conter. O chamado dilema da cartada. E vermo-nos livres de certas cartilhas também pode ser um dilema....
Figura num baralho de cartas
.Dispor o leque de escolhas como um baralho de cartas. Atribuir a cada incógnita uma figura. Não confiar nem duvidar excessivamente das mais sorridentes. Uma vez por outra: arriscar. Mesmo se uma voz interior nos alerta para o facto de nunca termos tido sorte ao jogo. Diz-se que os bons ventos não sopram apenas nas mesas ao lado....
Projecto adiado ou work in progress?
.Desde sempre me vi como um projecto adiado. Por entre longas deambulações, apercebia-me de que o falhanço seria o destino mais certo ao virar da rua. As esquinas amedrontavam-me: algo ou alguém poderia saltar na minha direcção e tolher-me de susto. Nunca foi fácil inverter a tendência de andar às arrecuas. Os passos que só obedeciam aos instintos, sempre os associei aos lançamentos livres executados por amadores. Sim, o instinto sempre me pareceu um mau conselheiro. E no entanto, a razão, ou o que quer que fosse que os meus pensamentos elegessem como tal, levou-me por caminhos ainda mais esconsos. Se escutar é por si só uma tarefa selectiva e se do teor de uma conversa (diálogo ou monólogo interior) se abrir um leque enorme de possibilidades, então pergunto: quem devo escutar e o que devo seleccionar? Por via da introspecção deveria ser-me facultada a resposta. Saber do que realmente gosto ou gostaria ou não me importaria fazer, nisso deveria assentar a plataforma de partida....
Último quadrante
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Último quadrante que resta de um pedaço de céu.
Nele deposito a esperança de um exílio.
Os prédios cresceram como pardos cogumelos
e confinaram o meu espaço a régua e esquadro.
O betão ameaça ruir tão depressa quanto eu.
Ou será que da minha janela distorço a sua solidez?
Talvez inveja a sua pretensa eternidade, por apenas
compartilhar dessa palidez sem cambiantes.
Último quadrante que resta de um pedaço de céu.
Nele deposito a esperança de um exílio.
Os prédios cresceram como pardos cogumelos
e confinaram o meu espaço a régua e esquadro.
O betão ameaça ruir tão depressa quanto eu.
Ou será que da minha janela distorço a sua solidez?
Talvez inveja a sua pretensa eternidade, por apenas
compartilhar dessa palidez sem cambiantes.
29/5/2003
terça-feira, outubro 10, 2006
Fog
. Num calafrio, senti a sua respiração atrás da nuca. O nevoeiro cerrado cobriu-me então por inteiro. Inflitrou-se-me por entre as malhas da roupa e os poros à superfície da pele não podiam de modo nenhum oferecer-lhe resistência. Disseminou-se rapidamente pelo sangue e pela linfa - a humidade é o seu meio -, espalhou-se por todo o corpo. Foi-me roendo os ossos com especial prazer. Previdentes haviam dado pela sua aproximação, mas nada podiam fazer. Comprovaram que a sua dentição é mole, mas ainda assim capaz de ir inscrevendo uns caracteres para que eu os decifre. Repito-os para mim mas não lhes apreendo o sentido. São caracteres que uma vez lidos se dispersam como a humidade. Pelas pequenas lascas ósseas percebi apenas que me havia exposto demais ao relento e que me deixei inocular pelo seu hálito. O comodismo paga-se, nem que seja por consentirmos que o nevoeiro germine em nós. Felizmente acredito que com uma forte expiração, conseguirei expulsá-lo de mim. Mas por enquanto ainda estou sem fôlego. .
Hidden words
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In the Mood for Love, filme de Wong Kar-Wai (2000)
In the Mood for Love, filme de Wong Kar-Wai (2000)
.Tele-transporte até às ruínas de Angkor Wat. Qual Tony Leung a confiar a um pequeno orifício na pedra (como se segredasse ao ouvido de alguém) o que lhe dilacera a alma. No fim, tapar o pequeno orifício como se aí se vedassem as palavras proferidas para que elas não mais possam sair. Mas não é certo que Leung se tenha sentido mais liberto, mais aliviado, pois não?.
segunda-feira, outubro 09, 2006
Metaphysical Interior with Biscuits
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Chirico, Metaphysical Interior with Biscuits
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Chirico, Metaphysical Interior with Biscuits
Em caso de os biscoitos saberem a "light", deve-se simplesmente repensar na prioridade das dietas e sabores... À partida não deve ser difícil: todos nós somos naturalmente dirigidos para o que sabe bem. Sem nos darmos por isso (sem esforço é como sabe melhor) já nos fomos abastecer à prateleira dos doces. Damos as primeiras trincas, saboreamos nas calmas, de forma transparente, e depois é sentir a doçura a espalhar-se à nossa volta. Assim, mais facilmente outros se juntarão a nós. E não há que ter receios de que a despensa se esvazie. Haverá sempre alguém que atempadamente se dará conta disso e virá acenar-nos com um docinho em retribuição sincera..
As cores do baloiço
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.Amor: como uma mulher num baloiço que nos estende os braços. Olhamo-la de frente, fascinados com a sua beleza, com esse sorriso quase infantil de quem recebe o vento em pleno rosto. Oscila para trás e para a frente e desfrutamos cada movimento seu: o esticar e depois o arquear das pernas, as mãos fincadas nas cordas, os cabelos soltos... E nem nos passa pela cabeça que ela nos possa dizer: agora é a tua vez..
Music... daqueles lenitivos que desatam os nós todos
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Tarde de domingo. Colunas de som, decibéis e mistérios pedidos de empréstimo a um Best of dos Bauhaus. A pulsão rítmica do "Bela Lugosi's Dead", as estridências e chiadeiras de guitarras e seus riffs atmosféricos, a voz fria e distante de Peter Murphy a repetir "Undead undead undead". Instantes mais tarde, o "Proper Hoodidge" e o drum'n bass inconfundível de Amon Tobin. A confirmação no ténue sorriso de L.: sim, o tipo é mesmo bom.
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Scott Walker – “The Drift”
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.Remetido à condição de ouvinte que assiste a uma encenação sonora. (No meu sofá, não me recordo de alguma vez ter sido transportado assim para uma plateia). À deriva com uma voz única, agonizante, dolorida, que por vezes se suspende numa pausa quase teatral. E depois... rasgos de violência como aço temperado em desespero, por sobre um fundo negro, desolado, presente do início ao fim. E sons secundários como tinires de navalhadas finas nos arrabaldes. Ecos de passos em pedra fria. Descida interminável às caves frescas e sombrias de um cenário de horror. Às catacumbas onde nas reentrâncias escavadas na pedra se perfilam as órbitas dos nossos medos. Pam, pam, pam. O bater furioso e insistente à porta. Podia ser à nossa. A estranheza faz-se sentir do lado de lá. Acaba por chegar até nós através do bloco maciço. Numa linguagem incomum, dá-nos a opção de nos demorarmos o tempo que quisermos a decifrá-la. Diz-nos também que não é um álbum para todas as tardes, nem para todas as alturas. Que a devemos escutar em doses homeopáticas, com os sentidos bem atentos e muita disponibilidade anímica..P.S. . Deixo-vos um link para o vídeo-clip do tema "Jesse" (3ª faixa do álbum)..
sábado, outubro 07, 2006
O poeta e a musa alguma vez chegam a tocar-se?
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Dante and Beatrice, 1915. By John William Waterhouse (1849-1917)
.Como se não bastasse já saltar bem à vista a prostração do poeta frente à sua musa, a distância entre ambos está bem vincada no pequeno ribeiro que os separa, assim como em vários outros aspectos. Reparem nas vestes: Beatriz, alva e luminosa; Dante, em tons escuros, mas ainda assim de uma transparência imaterial (o esforço do poeta para vencer a opacidade? ou a sua condição irredutível de espectro?). Reparem nas diferenças a nível do solo que ambos pisam: do lado de Beatriz predominam as cores primaveris, o verde e o rosa das flores; do lado de Dante o solo não podia ser mais árido. Será isto uma metáfora? Uma metáfora a significar que a poesia e as palavras que a constroem acabam por ficar sempre aquém do que é verdadeiramente belo, da grandiosidade do que se quer exprimir? Quantas vezes ja não sentimos que as palavras são simplesmente insuficientes para transpor o "pequeno" ribeiro, que as palavras de que dispomos são incapazes de fazer justiça a toda a beleza que nos chega do lado de lá? Seria necessário inventar toda uma nova linguagem. Além disso, o esforço que dispenderíamos a nomear o turbilhão de sensações poderia provavelmente distrair-nos do essencial: do sentir. Na figura de Dante ajoelhado, julgo ver o gesto de quem, imerso na plenitude do momento, reconhece a inutilidade das palavras, o gesto de quem se despede delas e elege o olhar, a contemplação como forma absoluta de captar o indizível..
sexta-feira, outubro 06, 2006
O forasteiro e o mago
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.Às vezes gostaria de ser como o forasteiro d' "As Ruínas Circulares" (Borges), que algures encontra um templo caído em ruínas, se ocupa do espaço e por sua vez encarna o papel do mago cujas récitas repetidas à exaustão o conduzem por um mundo povoado dos mais variados sonhos. Sonho e realidade como um ciclo difuso, cujos limites e interferências não se distinguem bem....
quinta-feira, outubro 05, 2006
A tua força
.A tua força congrega-a a multidão
de vozes que sobem a uma só voz, a seiva
em reunião no tronco nodoso, em aspiração
de máculas, debitando as lições na fronde.
As raízes sugam das agruras do solo
minérios de sábios, de regatos os murmúrios.
Ainda em semente alimentava-me do sonho,
albúmen de vida que em pecado consumi todo ao nascer.
Difícil era germinar do sufoco de ervas daninhas,
competir com a rapacidade dessas hidras.
Depois, eterno me pareceu o juízo
de que no céu o que me estonteava seria
a janela a que me chegava, esperando um dia
vir a inaugurar a vista do outro lado.
Absorver do sol a luz quando ele já lá não estava
nunca foi para nós uma questão de altura
mas de sondar com os ramos as sinergias
nas clareiras à margem do nosso perímetro.
de vozes que sobem a uma só voz, a seiva
em reunião no tronco nodoso, em aspiração
de máculas, debitando as lições na fronde.
As raízes sugam das agruras do solo
minérios de sábios, de regatos os murmúrios.
Ainda em semente alimentava-me do sonho,
albúmen de vida que em pecado consumi todo ao nascer.
Difícil era germinar do sufoco de ervas daninhas,
competir com a rapacidade dessas hidras.
Depois, eterno me pareceu o juízo
de que no céu o que me estonteava seria
a janela a que me chegava, esperando um dia
vir a inaugurar a vista do outro lado.
Absorver do sol a luz quando ele já lá não estava
nunca foi para nós uma questão de altura
mas de sondar com os ramos as sinergias
nas clareiras à margem do nosso perímetro.
23/1/2006
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Sonic Youth - Cotton Crown
Love has come to stay in all the way
It's gonna stay forever and every day
It feels like a wish coming true
It feels like an angel dreaming of you
Feels like heaven forgiving and getting
Feels like we're fading and celebrating
You got a carnal spirit spraying
I'm gonna laugh it up
You got a cotton crown
Gonna keep it underground
You're gonna take control of the chemistry
And you're gonna manifest the mystery
You got a magic wheel in your memory
I'm wasted in time and I'm looking everywhere
I don't care where
I don't care where
Angels are dreaming of you
Angels are dreaming of you
New York City is forever kitty
I'm wasted in time and you're never ready
Fading fading celebrating
I got your cotton crown
I got your cotton crown
I got your cotton crown
I got your cotton crown
I got your cotton crown
I got your
* 9ª faixa do álbum "Sister" (1987)
domingo, outubro 01, 2006
Próximo da insensibilidade
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.Redução das terminações nervosas conducente a uma menor captação dos estímulos, e, por consequência, a uma menor capacidade de resposta. Fechamento na via do não sentir. Em volta tudo me lembra: experiências irrecuperáveis porque se lhe negaram a oportunidade de ocorrerem; perdas de natureza insondável porque nunca apreendidas. Instantes de opacidade vão pontuando as horas. O interior já não deseja viver suspenso a cada cadência dos ponteiros. Sem surpresa - é tudo quanto define mais um ciclo que se completa. Trancaram-se as portas. Já nada sai e mais ninguém entra. A tudo quanto ficou resta um pedido: que dure. Que dure e que não se depaupere. A tudo quanto pula lá fora, um desejo: que não se afaste para muito longe. É que de quando em vez sabe bem espreitar o que se passa na rua. E os olhos, baços, bem colados às frinchas dos estores, a fazerem lembrar o antigamente..