O poeta e a musa alguma vez chegam a tocar-se?
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Dante and Beatrice, 1915. By John William Waterhouse (1849-1917)
.Como se não bastasse já saltar bem à vista a prostração do poeta frente à sua musa, a distância entre ambos está bem vincada no pequeno ribeiro que os separa, assim como em vários outros aspectos. Reparem nas vestes: Beatriz, alva e luminosa; Dante, em tons escuros, mas ainda assim de uma transparência imaterial (o esforço do poeta para vencer a opacidade? ou a sua condição irredutível de espectro?). Reparem nas diferenças a nível do solo que ambos pisam: do lado de Beatriz predominam as cores primaveris, o verde e o rosa das flores; do lado de Dante o solo não podia ser mais árido. Será isto uma metáfora? Uma metáfora a significar que a poesia e as palavras que a constroem acabam por ficar sempre aquém do que é verdadeiramente belo, da grandiosidade do que se quer exprimir? Quantas vezes ja não sentimos que as palavras são simplesmente insuficientes para transpor o "pequeno" ribeiro, que as palavras de que dispomos são incapazes de fazer justiça a toda a beleza que nos chega do lado de lá? Seria necessário inventar toda uma nova linguagem. Além disso, o esforço que dispenderíamos a nomear o turbilhão de sensações poderia provavelmente distrair-nos do essencial: do sentir. Na figura de Dante ajoelhado, julgo ver o gesto de quem, imerso na plenitude do momento, reconhece a inutilidade das palavras, o gesto de quem se despede delas e elege o olhar, a contemplação como forma absoluta de captar o indizível..
2 Comentários:
O quadro é lindíssimo e gostei muito das tuas observações a propósito do que se vê nele.
Um beijinho e um bom fim de semana
Talvez se toquem na medida precisa em que o amor transcende a vida e a matéria. Subjectivo, eu sei… Que perguntas difíceis fazes por estes dias :)
Fiquemo-nos então pela sua impossibilidade, porque só os amores impossíveis inspiram os grandes poetas e geram as grandes obras... Só os amores trágicos, os ideais utópicos, têm este impacto romântico. Nunca se tocarão.
E eu, que conheço mto pouco a obra de Dante, penso que, um dia, tenho de o ler. Florença respira Dante por todos os poros e foi uma cidade de que gostei, demais.
Tenho mesmo.
Beijinho :)
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