We can talk by the river
São de Perth, lá nas Austrálias. E só por aqui já me parecem tão boa gente. Para mais, têm um pé dentro e outro fora dos Tame Impala. Cá para mim são todos irmãos e moram na mesma casa. E tal como estes, uns mãos largas. Poucas vezes vi quem orientasse tão bem o pessoal em carrinhas pão-de-forma multicores por meio de um trilho de psilocibinas. Exagero um pouco, mas a culpa é deles: aventurem-se pelos vídeos. Esta música em particular tem-me levado em viagem. Por rios, por mares: «we can talk by the river / we can walk right out to the sea». São tantos os cenários e modulações até àquele culminar fantasmático de acordes de guitarra (que ressoam e perduram uma fracção de tempo, o suficiente para gerar a sensação de que alguma coisa, algures, não sei onde, se despenha, se corta... para dar origem a outra coisa; como se alguém premisse o botão de uma serra eléctrica para logo afrouxar a pressão - ok, aqui devo ter andado a fazer geocaching e encontrei alucinogéneos); acordes que por sua vez vão fazendo caminho para o final, para o coro quase sobrenatural de vozes, como que a arrancar do além um segredo oculto: «it took you all the time to know». E lá atrás, nunca esquecidos, estes dois versos: «we can talk by the river / we can walk right out to the sea». Do mais simples que há e que contudo não cessa de ecoar aqui dentro. Um rio onde se poderia ficar à conversa ou seguir até ao mar. Lembra-me que há coisas de que sou grato à vida, como a sorte de ter um rio - e muito mais que um rio - a que posso chamar casa. A de ter um mar que ao longo de anos foi esculpindo amantes em rochas à beira-mar. E não precisei de ir e vir do além para saber desta minha gratidão.