sábado, dezembro 05, 2015

Black Friday



(Ren & Stimpy)

O Black Friday (uma cena marada importada dos Estates há uns bons anos a esta parte) já lá vai. Mas para memória futura aqui fica o rescaldo de um episódio. Os olhos esbugalhados e meio alucinados do sr. Ren, continuamente voltados para mim e para a minha colega, bem que deviam ter-me deixado de sobreaviso. Já nem tanto o pormenor de se ter chegado ao balcão sem devolver o nosso cumprimento. (Sim, um elementar «bom dia» parece ter sido altamente taxado e muitos de nós, que de boa fé ainda para aqui andamos a distribuir bons dias e tardes e noites, simplesmente não nos demos conta e não fazemos a mínima do quanto isso nos vai sair dos bolsos. Adiante, que eu acredito que o Centeno irá reverter isso em breve). De acordo com o sr. Ren (assim nomeado em homenagem ao «emotionally unstable chihuahua» [fonte wikipedia] de olhos esbugalhados, da série Ren & Stimpy), não passaríamos de uns provincianos desrespeitosos ao nos termos associado a uma campanha promocional tão infame como o Black Friday. Muito ao início ainda julguei que a indignação do sr. Ren viria de um súbito aneurisma anticapitalista e isso, convenhamos, dependendo da severidade, ainda vá. Mas nada disso. O que na presente situação definiu a linha vermelha (não a paulo-portiana, antes fosse) que o catapultou para uma deriva meio quixotesca foi "tão só" o nome da coisa. E porquê? Porque duas semanas antes, no fatídico 13 de Novembro, uma sexta-feira 13, uma sexta-feira negra, haviam ocorrido os atentados de Paris de que todos ficámos a par e todos lamentámos com pesar, incredulidade e indignação. Pois bem, duas semanas depois, ali estavam estas duas alminhas ao balcão, quais vendilhões do templo, a dar a cara a uma campanha (não acordada nem decidida pelas tais alminhas) e que, para nossa estupefacção (eu devia era estar mesmo com um ar aparvalhado), estariam supostamente a denegrir a memória dos que haviam falecido e sido feridos nessa noite e a relegar à indiferença as dores dos familiares. Em França houve de facto uma vaga para passar a designar o Black Friday por outra coisa. Compreendo e respeito os motivos, o sofrimento, as susceptibilidades envolvidas. E por lá passou-se a chamar o dia de XXL Days. Mas aqui não. Aqui na província, insensíveis, aferrámo-nos ao bom e velho nome. Aqui não houve nada de nada. Sequer uma só notícia de um tuga em solo nacional a manifestar algo de semelhante a solidariedade. Compreendo agora que a boa consciência e o sentido de justiça do sr. Ren, o auto-proclamado guardião moral da memória das vítimas, apenas clamava por paz e que neste contexto adverso, por nós fomentado, essa desejada paz só poderia vir na forma de um XXL Days. Sim, com um nome destes (ou outro) já ele poderia comprar sem mácula os dois livros que trazia na mão e que acabou por largar enojadamente. Por mim, sinceramente, que se foda o Black Friday. E senhores como o sr. Ren que se julgam luminárias e autoridades morais acima dos pobres conterrâneos.

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