Sondar-te de noite, à distância
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* de um diálogo entre duas personagens do livro "Os Cavalos de Tarquínia" de Marguerite Duras.
Espanta-me a vida profícua de certos seres. Seres que parecem não ter pertencido a este mundo. Que o atravessaram como cometas. Que não recuaram perante os riscos que corriam ao transporem a segurança das fronteiras conhecidas e bem delimitadas. Que ao fecundarem as nossas mentes com as suas prospecções visionárias, legaram para a posteridade – se o soubermos preservar - um conhecimento mais íntimo e mais profundo sobre nós e a realidade. Das profundezas do nosso espanto ecoará para sempre a rábula da nossa mediocridade. Se entretanto não nos despenharmos e conseguirmos reunir forças para os revisitar de vez em quando, resta-nos a consolação de nos sentirmos submergidos pela sua luz, nos escassos instantes em que julgamos aflorá-los. Poderia nomear alguns, mas desse modo não estaria a fazer justiça a todos.
"Estás só, e é de noite, / na cidade aberta ao vento leste."
"Não dizias palavras, ou só dizias / aquelas onde o rosto se escondia"
"Como se recusa o amor?, perguntavas / o sorriso brincando ao sol com as romãs"
A internet parece-se cada vez mais com a segunda estância balnear dos retornados de férias. Dos veraneantes sem cheta para algo mais substancial.
Encerravam em si o que à realidade cabia de dureza, uma realidade crua à qual costumava emprestar uma boa parte minha. Chocava-me o medo que neles projectava, assim como os anseios que lhes adivinhava mesmo que não fossem os meus. Ao longo do cortejo, costumava interrogar-me sobre os verdadeiros motivos que me levavam a correr tão cedo. Interrogava-os também a eles, e respondiam-me com o olhar, com gestos simples, quase unívocos. E as suas respostas não variavam por aí além das minhas. O cortejo, apesar de irrepetível, seria então qualquer coisa de verdadeiramente universal?
Hoje já não me foco na dureza dos rostos, antes opto pelo lado solar.
"Mas a tua cabeça, desculpa que te diga, está vazia.
* estrofe retirada (e propositadamente descontextualizada) do poema The Applicant que consta do livro Ariel de Sylvia Plath (tradução de Maria Fernanda Borges).
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A mendicidade enquanto condição quase infantil que se auto-protela na segurança e conforto do seu mundo desregradamente livre.
Trem de luzes suspensas na escuridão dum corredor de lata
A janela é um jogo de espelhos interior, é a noite de dentro
Na plateia escura assiste incólume
O corpo que jurou vitória contra o vazio da noite,
No fundo sei que ninguém terá apostado em mim,
Das horas tardias em que o sol se punha e o vento levantava a poeira das veredas e sob os nossos passos arrefeciam as brasas do dia, continuo a recordar a plenitude dessa errância, sem que nada nos forçasse a tomar um desvio...
The Libertine
The motorway won't take a horse.
* 1º single do álbum Wind in the Wires (2005).