Reflexos nocturnos
(Saleh Babazadeh, On the Train)
Trem de luzes suspensas na escuridão dum corredor de lata
a rastejar veloz no tampo espelhado de carris e descampados.
Assomo a uma das inúmeras fissuras da serpente luminosa
intrigado como toda a gente com o quadro negro
que devora o silêncio interior mortuário.
A janela é um jogo de espelhos interior, é a noite de dentro
sentada num dos bancos externos do comboio,
montra de lâmpadas que atrai os mosquitos de fora
batendo asas sequiosas ao longo do vidro
tontas de ânsia pela mais ínfima fresta
implorando a entrada num zumbido
para virem sugar-me a sanguínea expressão
ao ver-me atirado de surpresa para essa arena
(ringue de boxe colectivo e tão repentino)
onde golpes de canavial me destroçarão o rosto
em sucessão estrepitosa de estafetas,
palmas de mãos inimigas por revezar.
Na plateia escura assiste incólume
o reflexo vigilante desse treinador de bancada
que só sabe alvitrar conselhos inúteis para o round seguinte.
O corpo que jurou vitória contra o vazio da noite,
balbucia o estrebucho final da desistência;
o apito na estação sentencia o knock out,
o ringue imobiliza-se no que antes era ermo contínuo;
a plateia perde as feições esbatidas,
apeia-se indiferente às derrotas alheias.
No fundo sei que ninguém terá apostado em mim,
nem mesmo o reflexo que me ampara friamente
de encosto ao vidro, onde nem me poupa
à visão de um rosto desfigurado e feio.
Resta-me mergulhar a dor num banho de gelo,
para evitar que alastrem tumefacções e hematomas.
2/6/2005
2 Comentários:
Caramba Cláudio, tu escreves mesmo bem!
Eu é que não tenho palavas para comentar (o que desta vez não me impediu de o tentar fazer).
Um beijinho
Numa palavra: Bravo!
um beijinho.
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