domingo, abril 29, 2007

Receio das evidências

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Que não venha ao meu encontro o par feliz. Se nele aguça os dentes a inveja (essa coisa ruim) e se me força pela trela ao regresso a casa, é por nisso discernir algum sinal das evidências. Receando que não existas, não mais levarei à rua a solidão a passear.
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Fugitivo

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Basquiat, Riding with Death
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Se entrevejo uma aberta por onde possa esgueirar-me,
logo a turba obsidiante deflagra, pelas calçadas de que fujo,
o rastilho de passos e invectivas que me imobilizam
nas cercanias da clareira que entrevista
apenas serviu de engodo.

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Caldo primitivo

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Regresso ao caldo primitivo, às águas quietas do poço;

escorrego pelas paredes húmidas, atapetadas de uma tapeçaria viva:

musgo espumoso e segregador
efervescente de hálitos corruptos.
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sábado, abril 28, 2007

Kim, o samaritano

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Kim Ki-Duk, Samaria (Samaritana) (2004)
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Samaritana

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Todas as cordas se haviam rompido por desgaste. Menos uma, felizmente. A que é única e exclusivamente posta a vibrar pela fiel companheira dos seus dias: música e mais música. A música que ri e sorri para ele, que o contagia a animar-se, até nas horas menos boas; que todas as manhãs o ajuda a levantar-se e que à noite o aconchega sob os lençóis. Que por vezes até durante o sono lhe continua a segredar coisas boas ao ouvido.
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Body Rice

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Ó mana, emprestas-me este juke-box-post, sim? Mesmo que o filme fosse mau (que não é), só por estas duas músicas garanto-vos que já teria valido a pena...
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sexta-feira, abril 27, 2007

A ciclópica Enciclopédia da Mente (5)

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Pólos


Como todos terão desaprendido na escola primária: no Pólo Norte faz um frio deprimente, enquanto que no Pólo Sul faz um calor esfusiante. Imagem esta que pode servir para descrever as oscilações de humor nos doentes bi-polares.
(
clique para ver os tomos 1 , 2 , 3 , 4)
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Álbum

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Rumo do tempo com inscrições de rostos,
gélido retrato de águas passadas.

Dou aos remos do almanaque.
Ao meu encontro recordam-me as ondas
de tanta coisa,
fundeada já nem sei onde.

Com a linha retesada, repego no volume
onde página a página
pesam, leves, essas vidas.

Em alto-mar aguardo só que morda a linha um sentido,
um que não diga que é isto a vida:
facho de papel fotográfico.

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Da cartola

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Acho que vou começar a juntar uns trocos para um kit de ilusionista e aprender uns truques para me animar. Ou iludir-me em como me animo.
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Reflexos & Perdas

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Espalmo o rosto contra a superfície lisa do espelho e tento fundir-me com esse duplo desconhecido, que há pouco acenava vigorosamente para mim. Por instantes, a metade espalmada do meu rosto terá deixado de me pertencer, para passar a ser desse outro, cujas pupilas - vejo-o bem - se dilatam de puro prazer ante tão generosa oferta. Como a face apagada num quadro - borrão imenso que destoa e retoques avulsos ainda mais acentuam -, não se desvanece em mim a disparidade baça com que me devolveu os ossos do crânio, sugados ao tutano e alisados como vidro.
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Sem rumo

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Vagueio apático pelas ruas, desatento à agitação frenética que pulula em meu redor, como se este fluxo de pessoas se cristalizasse numa massa informe de rostos, esbatidos no profundo vazio interior que me arrastou para fora das paredes descoloridas do meu quarto.

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Crachá

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Cartão de visita: duas olheiras negras, profundas.
Em dias de céu limpo são de um azul post-mortem,
de veias que um dia palpitaram doridas à superfície.
Pinceladas de cor nas faces: uma ira contida
escapando-se dos crivos que me rasuram a pele.
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quinta-feira, abril 26, 2007

Auto-bio-grafar/-pregar

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E se alguém vos dissesse que a auto-biografia é um género literário que persegue ainda em vida o que, indesmentidamente, se crê que só se alcança com a morte? Sentir-se-iam dissuadidos, ou, pelo contrário, incentivados a redigirem a vossa própria biografia sob o signo dessa sugestão com o seu quê de escatológico? É bom que estejam alertados para a inclemente queima de neurónios e pestanas que tão pirómana tarefa comporta. Sem querer ferir susceptibilidades, pergunto ainda: esperam realmente receber um prémio de consolação para dias e mais dias de louca insistência nesse esforço de Sísifo que é deslindar as linhas com que se inscreve uma vida? Acreditam na pacificação interior obtida no último ponto final, à semelhança da paz que se infunde do último prego, do último arremesso de terra sobre o caixão? Para os mais incautos, como eu, toda a advertência é pouca. Portanto, cuidado com os oásis longínquos que, de nenhures, nos iludem com as suas trémulas ondas de calor. É que também nisto dos blogs existe a tentação de nos auto-biografarmos. E se nos pomos a isso com falsas esperanças é uma chatice. Falo por mim, of course.
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Nefelibata

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De colher sempre à mão, sequiosamente esticada às nuvens,
às que aglomerei com o olhar, em peditório por chuva miúda,
por céu dando-me de beber água do mar.
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A sombra faz parte

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Quando aspiro a ser mais rápido que a sombra e aniquilá-la, também aí me vacilam as mãos sobre o coldre. Hesito ao pensar que é contra-natura andar ao sol (mesmo no zénite) e não gerar sombra.
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terça-feira, abril 24, 2007

Transe



Há falhas de luz que vêm por bem, mesmo que a meio do "Transe" da Teresa Villaverde (para depois entrar noutra espécie de transe?). Talvez soe estranho, mas agradam-me os ah's! aquando da brusca imersão no escuro, conjugados com a adaptação ciliar e pupilar. A surpresa inicial desvanece-se à medida que se acendem, débeis, as luzes de presença, conferindo à sala uma aura especial, íntima. Da plateia anónima gera-se um burburinho de fundo, quase um convite uníssono para também nós sussurarmos qualquer coisa à pessoa do lado. E foi assim, por um feliz somatório de acasos, que ontem à noite, numa semi-escuridão aconchegante, me desprendi de certas barreiras e entabulei conversa com uma rapariga-anjo, que desde o início da sessão parecia cintilar a meu lado.



segunda-feira, abril 23, 2007

Todo eu

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Todo eu sou: dois ouvidos, dois olhos, nenhuma boca.
Um bloco de notas onde o exterior se imprime
em rabiscos que a ninguém permito ler.
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Esponja


Uma esponja que não hesita em mergulhar na poça;
as melhores lições são as absorvidas do lodo.



Nada é seguro

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Em pequeno admirava a segurança do adulto que debita uma lição. Sei agora que nada é seguro, nem o saber livresco sob a aparência martelada dos caracteres.
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Cieiro

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Não há cá espuma de palavras a cobrir o canto dos lábios;
quando muito, cieiro de tanto beijar o frio silêncio.
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sábado, abril 21, 2007

Rest & Silence

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Picasso
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So I can do no harm to those I praise the most...
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quarta-feira, abril 18, 2007

Um dia

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Queria tanto ter palavras bonitas para partilhar. Julgo saber onde elas se encontram, sei que daí poderia pegar-lhes, mas não ouso. Tenho medo de lhes trair a beleza, a verdade. Não me atrevo a perturbar-lhes a inocência do sono. Mal despertassem, viriam reclamar de mim o que justamente agora não lhes posso dar: senti-las como essências vivas, como mensageiras de bons e grandes sentimentos. Um dia, quando eu acordar para a vida, acordarão elas para mim? Acredito que aí sim, sem manipulações, sem correr o risco de as gastar, tendo eu vivido, amadurecido até, merecê-las-ei finalmente.
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domingo, abril 15, 2007

Blockhead

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Insomniac Olympics
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Para quem gosta de trip-hop (e géneros afins) made in NY. Do álbum de estreia, Music by Cavelight (2004), do produtor e DJ Tony Simon, sob a inevitável chancela da Ninja Tunes. O vídeo do Insomniac Olympics foi realizado por Sam Arthur (fonte: wiki). O do Triptych part 3 não consegui descobrir, o que a estas horas é algo de completamente secundário. Pela noite dentro este é, para mim, um género de música que dá (e desculpem-me por ser tão óbvio) cartas.
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Triptych part 3
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As vozes jogam ping-pong*



The Cure, A Forest


Come closer and see

See into the trees
Find the girl
While you can
Come closer and see
See into the dark
Just follow your eyes
Just follow your eyes

I hear her voice
Calling my name
The sound is deep
In the dark
I hear her voice
And start to run
Into the trees
Into the trees

Into the trees

Suddenly I stop
But I know it's too late
I'm lost in a forest
All alone
The girl was never there
It's always the same
I'm running towards nothing
Again and again and again
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* connosco. E boomerang também.
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The Cure - A Forest


"A Forest has that timeless quality about it... 27 years go by and it still sounds great"

Recuar 27 anos (a minha idade) num simples clic. [Top Of The Pops, BBC, 24 April 1980]. Recuar à génese dos The Cure, com Robert Smith sem maquilhagem, com cabelo curto, dono e senhor daquela voz inconfundível, dando o rosto a uma banda que já então revelava um entrosamento invulgar e que se destacava pela originalidade do seu som, do universo que acabavam de criar. E aqui, decerto não muito longe de 1980, no que parece ser uma espécie de video-clip muito rudimentar, com as inevitáveis árvoreszitas. Impossível ficar indiferente às guitarras, à linha de baixo desenhada sob a alçada da bateria, não é?


Ping & Pong [3]

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- Estive a reler algumas coisas tuas. Sobre isto tenho a dizer que não se percebe absolutamente nada. Quase nada, pronto.

- Não tenho culpa... Como "autor" lanço apenas pistas.


- Lavas as mãos como Pilatos, é o que é. Começo a desconfiar que essa desculpa virá a servir para tudo quanto já escreveste e virás a escrever, não é?...


- Até certo ponto, não estarás longe de me ter apanhado. Clareza de exposição só está ao alcance dos que sabem escrever. É muito mais fácil lançar umas pistas aqui e ali, do que produzir um edifício coeso de raíz.


- Calma lá... Olha que nem tanto ao mar, nem tanto à terra...


- Será?


- Não sei como, mas acho que a linha divisória neste tu-cá-tu-lá está lentamente a desvanecer-se, a tornar-se menos nítida...


- É normal. Somos os dois constantemente assolados por dúvidas.


- Nisso és capaz de ter razão... Mas que papel é o meu afinal?


- Sabe-se lá. Nestas coisas dos papéis, das posições, nunca se percebe bem como é que se dão as trocas e as atribuições.


- Já vi que te estás a distrair da partida e a resvalar para terrenos com um certo potencial de ambiguidade.


- Pura imaginação tua.


- Imaginação, decididamente não. Não a chames para aqui, senão aí é que isto resvala mesmo.


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Ping & Pong [2]

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- Porque não fazes o que é suposto fazer?

- A resposta é muito simples...


- Para ti é sempre tudo muito simples, desde que isso não passe do paleio à prática.


- Ok. Um ponto para ti.


- Quero lá saber disso para alguma coisa! Responde mas é...


- Prefiro o tédio de vaguear à procura do incerto, porque aí cabem todas as maravilhas possíveis, do que o imenso tédio de tentar fazer o supostamente certo.


- És bem mais criança do que eu julgava. Não tornes a dizer que somos parecidos, ok?

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sábado, abril 14, 2007

Jogos em altitude

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Mordillo (pois claro)
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Não é ping-pong mas também serve. Por vários motivos: pela altitude solipsista, pelo (des)empenho das duas partes e pela quantidade de bolas perdidas.
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Ping & Pong

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- Porque tens de ser sempre tão parvo?


- Não julgues que é por ser o teu reverso... Apesar das dissonâncias, somos até bastante parecidos.


- Parecidos? Que infelicidade a minha ter de coabitar contigo nesta exígua caixa craniana...


- Deixa-te estar assim, que esse teu derrotismo só me beneficia...


- Irritas-me!


- Ora, então ainda não sabes que isto é um jogo?... E quem está num jogo compete para ganhar. Entregas e devoluções a tentarem superar-se umas às outras...


- Já acabaste o paleio?


- Por acaso já. E com isto somei mais um ponto. Ora aponta aí.

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Para quem sabe o que são olheiras...


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Jacques Tati, Há Festa na Aldeia (1948)

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Para quem sabe o que são olheiras (e "olheiras" pode ser muita coisa) e nada consegue fazer para as ver desaparecer, o melhor remédio será talvez rir e sorrir com os filmes, digamos*, do Jacques Tati. Deixamos assim, por momentos, de nos olhar e confrontar ao espelho, atenuando-se a crua percepção que temos delas. Ou será que nem assim? E daí, nova pergunta: a forma como vemos e assimilamos um filme não constitui, por si só, também um jogo de espelhos, de reflexos, nomeadamente do exterior para o interior? Se, por exemplo, pensar que as minhas olheiras são piores que aquelas no frame (que por "acaso" nem olheiras são), estarei certamente a desviar-me dos propósitos cómicos que o Tati ensejou para essa cena. Tudo nesta cena (como em qualquer outra cena), desde o bigode às orelhas, pode, consoante as pessoas, funcionar como estímulo para abandonarmos o fio narrativo, a fruição do gag, o prazer da distracção e cairmos, por vezes, pesadamente em nós. Assim, o espectador pode a qualquer momento desbaratar os propósitos do autor. Aliás, muita teoria e crítica apontam para isso mesmo, que não faz grande sentido falar de propósitos autorais, ou melhor, que o enfoque deve ser privilegiado para o lado do leitor/espectador/receptor. O autor, que por esta via passa a segundo plano, é alguém que apenas nos vai lançando pistas, enquanto que a construcção do corpo e sentido da obra passa sobretudo por nós, receptores. Chegado aqui, a noção dos meus limites exige-me o ponto final, e antes que me estique ao comprido - se é que já não me estiquei com isto das teorias da recepção -, obedeço sem amuos nem objecções. Aliás, com alívio até.
* Já que o Pedro Mexia parece ter lançado a moda do «digamos», aqui vai um também...
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World Press Cartoon 2007

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Os premiados, aqui.
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Viagem ao Mundo da Droga

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Christiane F. - Wir Kinder vom Bahnhof Zoo (1981) de Ulrich Edel.
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Das relações simbióticas entre lyric, música e filme

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David Bowie, Heroes


I
I wish you could swim
Like the dolphins
Like dolphins can swim
Though nothing
Will keep us together
We can beat them
For ever and ever
Oh we can be Heroes
Just for one day

I
I will be king
And you
You will be queen
Though nothing
Will drive them away
We can be Heroes
Just for one day
We can be us
Just for one day

I
I can remember
Standing
By the wall
And the guns
Shot above our heads
And we kissed
As though nothing could fall
And the shame
Was on the other side
Oh we can beat them
For ever and ever
Then we can be Heroes
Just for one day

We can be Heroes
We can be Heroes
We can be Heroes
Just for one day
We can be Heroes
We're nothing
And nothing will help us
Maybe we're lying
Then you better not stay
But we could be safer
Just for one day
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Christiane F. e os perigos da letra H

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sexta-feira, abril 13, 2007

Trentemøller

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Um "amigo" das Dinamarcas capaz de me arrancar (a mim e a qualquer outro, julgo eu) da letargia, quando essa malvada por aqui paira...
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Mimo matinal

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foto de Teresa Aziam

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No programa Sociedade Civil (RTP2), uma telespectadora dá a conhecer um dos seus rituais diários: todas as manhãs, assim que acorda, beija-se no braço ou na palma da mão. Achei curioso e, até, salutar. Um mimo matinal, um exercício de auto-estima. Um gesto aparentemente simples e banal, mas que diz muito de uma determinada forma de se encarar a si próprio e à vida. E nisto - porque não sou muito de ir em rituais - não quero acreditar que a força e o significado do gesto saiam beliscadas por se tratar disso mesmo, de um ritual.

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terça-feira, abril 10, 2007

Just a fool

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De que matéria é feito um álbum capaz de roçar a perfeição? Não faço a mínima. Sente-se apenas que o é. E em relação a um bom álbum? Se pudesse fugir à questão e responder com um exemplo, aconselharia, para já: o "Frantic" (2002) do Bryan Ferry. E se calhar não pensaria mais no assunto, confiante que audição após audição também nele encontrariam argumentos de peso. À primeira audição descartei logo a hipótese de vir a gostar dele. Soava-me demasiado pop. Continua a soar, mas já lido bem com isso. Descobri-o há uns tempos e de cada vez que o ouço fico de ressaca. A culpa é sobretudo das letras. Acho que só vou falar delas, tocá-las de raspão, para fazerem uma ideia. Deixo o som para outras esferas do entendimento. Podia resumi-las assim: ao longo das suas treze faixas, revisita-se com grande fulgor o clássico dos clássicos: o sofrer por amor. Há quem sabiamente lhe chame o eterno problema. Apanham-se aqui e acolá farpas doridas, confissões que vertem mágoa. Lamenta-se-lhe a falta, a desilusão face aos destinos que se cruzam e que depois se afastam. Fala-se do amor que cega, do orgulho ferido, da ingenuidade perdida, da metáfora do rei-sábio que talvez caia do pedestal (em "A Fool For Love"). Há o sofrer desesperado pela não correspondência, com alusões vagamente chantagistas ao recurso final - o bálsamo de morfina, caso ela não... (em "Goodnight Irene"). As vozes quase etéreas do refrão "Hiroshima...", que talvez não me importaria de incluir na banda-sonora do filme de Alain Resnais. A cadeira vazia junto à lareira, onde se costumava sentar a amada, o silent reminder, a ausência que ocupando todos os meandros do pensamento se faz presença; o inevitável processo de recordar, a sua evocação no elencar exaustivo de objectos (em "San Simeon"). As lágrimas derramadas por via de um amor de sentido único, o cansaço que daí advém, o querer partir para outra, cedendo ao natural anseio por amor retribuído (em "One Way Love"). O assumir das ilusões perdidas, o regresso desencantado a si depois do sonho (em "I thought"). Falei das letras, mas disse pouco. É que só se revelam plenamente quando conjugadas com a música. E com música quebrei o meu voto de silêncio.
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Inside out

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Se é verdade que certos silêncios se tornam num verdadeiro embaraço, já outros revelam-se extremamente bem-vindos.
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domingo, abril 08, 2007

Rescaldo na 'folly room'

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De regresso a esta escura habitação olho incrédulo para a quantidade de cacos espalhados pelo chão. Parece ter andado por aqui um histérico à solta. Como se se tivesse apoderado do meu login e feito deste espaço o que quis e bem lhe apeteceu (aliás, em conformidade com o título do blog). Serenados os ânimos aqui estou para arrumar a casa e devolver-lhe alguma sanidade.
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Amon Tobin - Foley Room (trailer 2)

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sábado, abril 07, 2007

Um «dormes»

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Alimentem-me parentericamente e deixarei de ser um come-e-dorme. Tal upgrade funcional e utilitário para a categoria exclusiva dos «dormes» só trará vantagens. Para todas as partes.
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Um come-e-dorme

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Forma de saudação protocolar que passou a ser anexada ao 'bom-dia', ou, para ser exacto, a seguir ao cada vez mais recorrente 'boa tarde'.
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Kristin Hersh "Caffeine"

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The best of us puking
The rest of us not doing so well
You can tell by the way we look over your shoulder
Watching for the next big thing
Caffeine in the blood, caffeine on the brain, bad well water
Set off a chain reaction, a desparate set of principles
I wish we were lonely
I wish we were boring
It's so much easier
You're driving and I am your backseat shadow
The radio keeps playing
The radio keeps saying Nothing lost and nothing gained
(...)
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É (quase) matinal, mas não é bom

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O pesadelo que se intensifica ao abrir de olhos pela manhã. Adiar ao máximo o erguer-me da cama. Deixar primeiro um pé de fora, abandoná-lo à sua pouca sorte, até esfriar. Levantar-me; despir o pijama, quentinho ainda das fermentações da noite. Cada gesto em slow motion - é que na certa não haverá hoje maior highlight que este. Vestir uma sweat e umas calças lavadinhas, como o rosto de certas manhãs. O coração que foge taquicárdico ao primeiro gole de café e não mais se lhe apanha o rasto. O travo nem doce nem amargo tão ao gosto do palato, dos sentidos que despertam para letargos caírem de sono nas vielas. Saboreá-lo é um pouco como puxar os lençóis da cama por antecipação à noite. Sair de casa. Forçoso trancar à chave o vazio que ficou para trás - não vá alguém furtar-nos a nossa única certeza. Entrar à noitinha. Despir a sweat e as calças, um pouco menos lavadinhas: as ruas, as vielas, os assentos, o ar... tudo poluído, irremediavelmente sujo. Vestir o pijama. Sentir na pele o único abraço do dia: o do frio algodão à hora de deitar. Lavar os dentes, porque o amanhã pode exigir-nos a prontidão de um sorriso são. Mergulhar na cama. Fechar os olhos e lentamente deixar-me liquefazer no mosto, boiar na melhor espuma. Ter sonhos etílicos, embriagantes relampejos sob pálpebras cerradas.
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Frio magistério

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Nuvens de poeira perpetuando-se na difusa linha do horizonte. Toneladas de escombros dispersos pela paisagem árida dos dias. As ruínas cobrindo-se de silêncio, de silenciosa lembrança. Que não se perturbe a lenta invasão dos elementos, murmura-se por toda a parte. A muda e seca lambidela do tempo, até que pétreas, erodidas, acabem finalmente integradas no frio magistério da natureza, das coisas que se aceitam com a fatalidade do que não pode ser de outro modo.
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Kristin Hersh & Michael Stipe - Your Ghost

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Em-trevas

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Aqui. Num blog em que as palavras são tão bem tratadas. Com zelo, com esmero.
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Anti-Midas

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Como uma espécie de anti-Midas, que em tudo quanto toca transforma em pechisbeque. E já há algum tempo que o toque - o meu - tem estado confinado às palavras. Com o resultado que se vê.
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À escolha

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O blog como testemunho quase clínico de uma insanidade, um quase "Diário de um louco". Ou testamento paciente e diligentemente redigido ao final do dia, quando nos adivinhamos em vésperas do nosso auto-de-fé.
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Auto-biografia instantânea

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Porque não é digno de se chamar idade adulta ao que veio a partir dos 18, digo que vivi duas infâncias: uma feliz até aos 10; outra de pesadelo até agora. Score: feliz, 10 Vs pesadelo, 17. E como se vê, estou agora a entrar na fase mais conturbada: na adolescência.
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Fazer bem ao coração?

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Pior que haver um lugar a menos, é já não nos apetecer andar pelos muitos e variados sítios que existem. Para estes casos, também os cardiologistas recomendam que nos ponhamos a andar?
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Um lugar a menos

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A propósito da imagem do último post... Não haver por cá, que eu saiba, lavandarias self-service, leva a que haja menos acasos, menos encontros? Há bares, cafés, comboios, expressos, faculdades, cinemas, cantinas, piscinas, ginásios, repartições de finanças, postos de saúde, centros comerciais, discotecas, jardins públicos, livrarias, ruas, becos, esquadras, filas intermináveis para tudo e mais alguma coisa, lojas, muitas lojas, praias, esplanadas, todo o tipo de locais de lazer ou de trabalho, mas não lavandarias self-service. Um lugar a menos é sempre um lugar a menos. Um lugar a menos é sempre um rombo nas probabilidades de algumas pessoas. Um lugar a menos pode fazer mossa.
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Escapa-se por entre os dedos... [2]

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Shopgirl de Anand Tucker (2005)
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Mão auto-comandada, fora de controlo? No que se refere a postagens, é provável... Se mostrasse a mão a uma vidente, ouviria dela, por uns trocos, que viveria muito e seria feliz, que faria isto e não faria aquilo, que teria problemas disto e não daquilo. Mas isto tudo, que não é nada, por uns trocos. Sem videntes, e olhando como quem radiografa, a vida escapa-se-me por entre os dedos e os ossículos da região metacárpica. Não me lembro da sensação de tactear. Menos ainda da sensação de agarrar. Queria possuir membranas interdigitais para poder reter qualquer coisa.
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Lenta e sofridamente

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Não me ocorre nada pior que um dia termos sido especiais para alguém e depois, lenta e sofridamente, termos deixado de o ser. Virá a voz dizer que não deixámos de o ser. Que apenas mudou a forma, a expressão desse sentimento - o que equivale a que tenha mudado tudo. Nada podemos contra a mudança, ainda que interiormente lutemos contra o seu enraízamento em nós. Lenta e sofridamente resistimos, entrincheirados, defendendo um bastião feito da matéria dos sonhos, mas não crescemos e nada aprendemos assim. É que aprender requer intactas as faculdades da razão e darmo-nos a liberdade para esse passo.
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Ridículo

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Ele é alguém que tem o sentido do ridículo bem apurado. Ridicularia facial, gestual e verbalmente musculadas. Talvez por isso exerce-o com a plena e desassombrada consciência de que em nada o beliscam se quanto a isso lhe fizerem algum reparo.
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sexta-feira, abril 06, 2007

Bizarro

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Bizarro, de facto, esta pulsão para a auto-flagelação pública. Apesar de tudo, sinto-me seguro. Enquanto for eu, exclusivamente, o dominador e a vítima, não haverá problemas. É que, entre outros senãos, tenho alguns problemas com a memorização de passwords.
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Deixa-me rir

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E como ficou dito e registado que gosto de atalhos pouco onerosos, vou, num clic, ver se ganhei o Euromilhões.
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Fugas

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Despedir-me à pressa é sinal de fuga. Do local, das pessoas, das gaivotas, do sol bonitinho a deitar-se, enfim, de tudo quanto assistiu às minhas insuficiências. Só não posso fugir de mim. Embora haja por aí muitas formas de o tornar possível. Ver um filme numa sexta-feira à noite, pode, por milagre, constituir uma dessas vias. Gosto de atalhos pouco onerosos.
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2ª lei do esquecimento

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Se queres esquecer, esquecer-te, ainda que por escassos instantes, cuida que não te falte vinho na mesa. Acima de tudo, no copo. E de que quando te faltar o discernimento para te servires, que haja nas redondezas um benfeitor que te sirva.
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Do convívio

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Na tua companhia uma pessoa cede à moleza - ainda que justificada e compreensível e que não levas de todo a mal. Mas quando à chegada de outra, se essa pessoa desperta repentinamente e num ápice tonificam-se-lhe os gestos, a expressão, a fala... o que é que isso pode significar a teu respeito? Talvez nada. Muito provavelmente nada, acrescento com optimismo. Mas no mínimo, sem que a outra pessoa tenha a menor culpa nisso, reforça-se em ti a ideia de que és uma merda. E quanto a isso não há volta a dar.
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Aconchego

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O bacalhau à brás que ainda há pouco sugeri aos meus amigos, quando deles me despedia, será, por feliz coincidência o jantar aqui em casa. (Não sei se foi o deles.) Aconchegar o estômago e inebriar o palato já é alguma coisa, não é? Bom apetite a todos. Em especial a eles.
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Leis harmoniosas

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Os cientistas têm razão: quanto mais simples se revelar o enunciado de uma lei, mais harmoniosa ela é. Ocorreu-me a anterior. Simplicíssima. Pena que não as haja aos pontapés.
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Lei do esquecimento

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Se queres esquecer, se te queres esquecer: então dorme!
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Minimalista

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Levo uma existência minimalista. Maximizo-me apenas no sono. Nas horas de sono, para ser mais quantitativamente correcto.
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Varrido para debaixo do tapete

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Transcorridos os primeiros passos lá por fora e a fase de habituação à luz do sol, varreu-me a certeza de que iria exigir demasiado das propriedades da cafeína.
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Recidiva


Soma Sonic, Relapse.


Galos a cantar

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Galos a cantar: este negativismo tem de acabar. E vai acabar mesmo, por agora, que é desta que me vou deitar.
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Se não é por câmara é noutro formato

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Por vezes (sobretudo quando olho para dentro e vejo tudo a preto e branco) acho que há hate, por aí, (não digo em mim), como entidade, como emanação, que se sobrepõe às demais entidades, às outras emanações. Hate pensar assim. Mas parece tão verdade, tão realidade. Hate por aí, ao virar da esquina - e hoje em cada esquina há uma câmara a captá-la.
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Há um 'hate'

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Há um hate na blogosfera. Todos, em dado momento, já certamente terão identificado um, algures, que julgamos crer que nos é dirigido. Mas o que me preocupa agora é um hate em particular. Sobretudo pela pessoa em causa. Pode até nem ser nada, mas é suficiente para me deixar em sobressalto. E o pior é que já é tarde para deslindar o caso. Uma réstia de juízo impede-me de o fazer, pois impede. Não vou acordar ninguém a estas horas para perguntar se esse hate me é dirigido. Por mais que remoa as ideias, e se exceptuar o blogger que tenho sido até aqui, a mais ninguém me lembro de ter feito mal.
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Bed Man Walking

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Digo-lhe que sim, que hoje me deito feliz, mas não deito. Até porque estou vá-não-vá para não me deitar. Deitaria, sim, se me tivesse deitado pouco depois de lhe ter dito que sim que deitaria, sim, feliz.
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Lei Googleana

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A constante de proporcionalidade entre certas palavras (ex. sado-maso) e audiências é assustadoramente elevada. Não tenho a certeza, mas acho que me lembro do Pedro Mexia ter enunciado uma lei homónima, obviamente superior a esta, seja ela qual for. Se a encontrar, digo.
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Sado-maso-blog [2]

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2º passo: escrever coisas do género: Se gostasse mais de mim e estivesse no meu perfeito juízo estaria a ir contra dois mandamentos fundamentais para se ter um blog. Corrijo: para eu ter um blog. E eu tenho um blog. Ou julgo ter.
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Sado-maso-blog

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1º passo para práticas sado-masoquistas actualizadas: possuir um blog. (Dica: é quase do senso comum que os templates negros são os mais condizentes.)
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O antídoto que re-urge

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Se por enviesados desígnios ou infortúnios acalentasse essa humana esperança que é posta na espera por profetas vindouros, gostava que alguém me desse a ler (neste caso, a reler) o "À Espera de Godot". (Re-)Aprenderia que os profetas, todos sem excepção, se chamam Godot. Sim, o Beckett, entre outras coisas, sempre teve jeito para escolher nomes. E o Beckett, que sabia destas coisas, que diria que qualquer humana esperança é um absurdo, é um dos tais a quem devemos o antídoto para esses arrazoados milagreiros e panaceias. E este chapéu também serve aos PNR's e saudo-Salazares.
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Uma espécie de anunciação

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M.Night Shyamalan, Lady in waters (2006)
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Fez-me alguma espécie... É que não vou em profecias. Talvez menos ainda nas cantigas proféticas do Shyamalan. Se bem que a Bryce, em tamanha alvura, chegue bem perto do que possa ser, a meu ver, um arquétipo de anjo.
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quinta-feira, abril 05, 2007

Profecia?

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Entre várias profecias, maioritariamente estapafúrdias e rebuscadas, terá também a morte da palavra sido profetizada por Nostradamus? Estará próximo o dia em que as palavras, de tão gastas, cairão nulas? O advento da internet, particularmente com as incursões bárbaras a partir da blogosfera, desempenhará algum papel nisso?
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Blogger:

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Dependendo dos dias, o melhor ou o pior amigo do Homem. Mas em dias em que se elaboram posts desta espécie: somos nós os piores amigos do Blogger.
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quarta-feira, abril 04, 2007

Pearl

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...brought to me by another pearl. Thanks! Banda-sonora ideal para um fim-de-tarde que se quer calmo, em sintonia com as lentas deambulações pela praia, quase deserta, em excelente companhia, com o vento a fustigar-nos os rostos, a obrigar-nos a vencer a preguicite e a vestir casacos. A esplanada do costume com paisagem sempre tão acolhedora, a perder de vista - o cenário das nossas tagarelices e desabafos, retemperados com chocolate quente. Thanks again, siss!
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"Let them spill..."

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Já o dizia o Nick Cave, não era? O que nunca me foi fácil... Recentemente tenho conhecido, com mais profundidade, uma faceta escondida e recalcada: a da lágrima fácil e corredia ao ver determinados filmes.
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terça-feira, abril 03, 2007

Das incertezas que habitam as entrelinhas...

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domingo, abril 01, 2007

A voz que alicia

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Apenas sei que ouvi chamar por alguém
cujo nome – infeliz, talvez - não consegui reter,
mas que logo me inquietou pois parecia
trazer inscrita a sua sina: a de alguém
que ao longe se divisa a dar os seus últimos passos
antes de se precipitar no vazio, como peso morto
atirado após rápida triagem para o seu destino:
o de contentar a voz que não cessa o seu chamamento.

Recordo-me porém que outro tão depressa se lhe seguiu
quanto eu me abeirei do precipício,
divisando com horror os corpos empilhados lá no fundo -
do fundo anónimo de onde continua a clamar a voz
que alicia, que tem aliciado gerações...
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Selado

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Quando foi que o homicídio, pela primeira vez, me surpreendeu e cavou fundo em mim os seus projécteis, as suas armas brancas? Desde então o cérebro tem estado selado, juncado de pistas ainda por recolher e analisar, sujeito às mais desleixadas diligências da perícia criminal. Local do crime anos a fio desconsiderado por não sei que autoridades. Apenas mais um caso insolúvel, sem apelo nem agravo, entre os muitos votados ao frio arquivamento.
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