É (quase) matinal, mas não é bom
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O pesadelo que se intensifica ao abrir de olhos pela manhã. Adiar ao máximo o erguer-me da cama. Deixar primeiro um pé de fora, abandoná-lo à sua pouca sorte, até esfriar. Levantar-me; despir o pijama, quentinho ainda das fermentações da noite. Cada gesto em slow motion - é que na certa não haverá hoje maior highlight que este. Vestir uma sweat e umas calças lavadinhas, como o rosto de certas manhãs. O coração que foge taquicárdico ao primeiro gole de café e não mais se lhe apanha o rasto. O travo nem doce nem amargo tão ao gosto do palato, dos sentidos que despertam para letargos caírem de sono nas vielas. Saboreá-lo é um pouco como puxar os lençóis da cama por antecipação à noite. Sair de casa. Forçoso trancar à chave o vazio que ficou para trás - não vá alguém furtar-nos a nossa única certeza. Entrar à noitinha. Despir a sweat e as calças, um pouco menos lavadinhas: as ruas, as vielas, os assentos, o ar... tudo poluído, irremediavelmente sujo. Vestir o pijama. Sentir na pele o único abraço do dia: o do frio algodão à hora de deitar. Lavar os dentes, porque o amanhã pode exigir-nos a prontidão de um sorriso são. Mergulhar na cama. Fechar os olhos e lentamente deixar-me liquefazer no mosto, boiar na melhor espuma. Ter sonhos etílicos, embriagantes relampejos sob pálpebras cerradas.
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