Para quem sabe o que são olheiras...
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Para quem sabe o que são olheiras (e "olheiras" pode ser muita coisa) e nada consegue fazer para as ver desaparecer, o melhor remédio será talvez rir e sorrir com os filmes, digamos*, do Jacques Tati. Deixamos assim, por momentos, de nos olhar e confrontar ao espelho, atenuando-se a crua percepção que temos delas. Ou será que nem assim? E daí, nova pergunta: a forma como vemos e assimilamos um filme não constitui, por si só, também um jogo de espelhos, de reflexos, nomeadamente do exterior para o interior? Se, por exemplo, pensar que as minhas olheiras são piores que aquelas no frame (que por "acaso" nem olheiras são), estarei certamente a desviar-me dos propósitos cómicos que o Tati ensejou para essa cena. Tudo nesta cena (como em qualquer outra cena), desde o bigode às orelhas, pode, consoante as pessoas, funcionar como estímulo para abandonarmos o fio narrativo, a fruição do gag, o prazer da distracção e cairmos, por vezes, pesadamente em nós. Assim, o espectador pode a qualquer momento desbaratar os propósitos do autor. Aliás, muita teoria e crítica apontam para isso mesmo, que não faz grande sentido falar de propósitos autorais, ou melhor, que o enfoque deve ser privilegiado para o lado do leitor/espectador/receptor. O autor, que por esta via passa a segundo plano, é alguém que apenas nos vai lançando pistas, enquanto que a construcção do corpo e sentido da obra passa sobretudo por nós, receptores. Chegado aqui, a noção dos meus limites exige-me o ponto final, e antes que me estique ao comprido - se é que já não me estiquei com isto das teorias da recepção -, obedeço sem amuos nem objecções. Aliás, com alívio até.
* Já que o Pedro Mexia parece ter lançado a moda do «digamos», aqui vai um também...
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