sexta-feira, junho 16, 2006

Eclipse

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Eclipsaste o sol.
Lançaste em confusa desorientação
o girassol -
que não sabia para onde voltar-se
nessas brumas que trouxeste.
Ó Astro que desconheces
teu imenso poder gravítico!

Com a secreta melodia
(tão secreta
que nem mesmo tu a apreendias)
encantaste a serpente
que de tempos a tempos emitia
de um coração sem morada
o seu silvo de letargia.

De solos agrestes longamente arredado
por ti acelera a muda de pele
a ti dedica a abrasiva estreia
de um padrão de escamas em filigrana
para ao ritmo entrelaçado da tua dança
reaprender as doçuras e as agruras
do serpentear.

E a sua língua bífida aspira agora
os aromas de um novo pulsar.
E as suas glândulas outrora letais,
pelo teu belo canto inoculadas
segregam agora um perfume docemente inócuo.

Mas cego do teu movimento hipnótico,
se acaso lhe negas a estadia ao ar livre
(quando dás pela sua presença esguia
tão irrequieta ao pé de ti)
e lhe ordenas indiferente a retirada solitária
para o cesto de granja na despensa;
crê na ameaça que o seu despeito,
com prazer e até ao fim, o levaria
(apesar de pouco crível hoje em dia)
a sufocar-se na nova leva do seu próprio veneno.

2/9/2005

2 Comentários:


Blogger Maria P. disse...

A música e as tuas palavras a harmonia perfeita nesta noite de chuva.

beijinho.

16/06/06, 21:14  

Blogger Cláudio disse...

Obrigado pelo elogio, Maria P., mas a música do Nick Drake está num patamar muito acima das minhas palavras...

Beijinho também para ti.

16/06/06, 22:49  

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