Noites & ausências
I
A noite segreda a quem queira escutar
a palavra silêncio – o arame farpado
que rasga a carne em ansiosa fuga
em desolado abandono das trincheiras
onde fantasias ainda por formular
são enterradas vivas por morteiros.
II
Todas as noites às mesmas horas,
despia-se a casa dos acessórios,
desprendiam-se os quadros, as fotos,
tudo quanto era lembrança atávica,
para os poupar aos obuses da memória
que implodem com tudo até na arrecadação,
aí onde a tinta colorida dos dias amolece,
e a pasta viciosa rescende a desejo de posse,
a nudez insatisfeita em banho de escórias.
III
As paredes arrimam-se abrindo alas
ao sonâmbulo de braços erectos ao alto,
bússola norteando o rumo das noites
pelo vazio das casas inabitadas.
IV
Do lume brando sob os dias
o cansaço que não é de um só corpo;
as lentas macerações da alma incensória
com as florescências do mundo,
num derradeiro e verdadeiro luto
pela noite descida a meia-haste.
V
Anseio pelo gesto mínimo
pelo estritamente necessário
para dobrar o cabo da hora.
VI
Faróis da viatura Noite, carreira devoluta,
feixes de contemplação nas bermas sinistradas.
Como vim parar a este beco?
Trocou-me as voltas a noite?...
VII
O mar encapelado ordenava na dianteira
a frente de assalto às fragas da tua ausência,
os peões de um jogo sem consequência
revoluteando nas cristas das ondas
os estandartes com as quinas da dúvida:
se a espuma dissolvida reverteria
para a tua pálida figura. .
4 Comentários:
Parece que nas minhas voltas, nestes círculos perfeitos, se distinguiu um ponto, e venho sempre aqui ter. Parar um bocadinho para descansar a cabeça que se cansa do rodopio.
Caramba, tu escreves mesmo bem!
Muitos parabéns.
um beijinho.
Obrigado Angi por, entre voltas e voltas à pista da blogosfera, parares aqui um bocadito nas boxes :)
P.S. Tens que me dar o teu mail, caso tenhas... há tanta coisa por dizer. O do Fábio já tenho e qualquer dia ele apanha um susto, perdão, um mail na caixa de correio ;)
Redonda e Maria P. obrigado amigas mas ainda não ganhei o prémio Nóbel... ;) Fico muito contente por apreciarem, até porque eu por regra duvido daquilo que escrevo e haver quem goste, nem que seja um pouco, funciona como incentivo para tentar melhorar...
Beijinhos.
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