Portos de abrigo em cidades imensas
.
Max Ernst, La Ville entière (1935-37)
Perdi-me numa cidade imensa. A princípio errei desnorteado, mas depressa encontrei refúgio e um abraço em cada um dos seus cantos. Aqui, onde o olhar do estranho que passa menos se faz sentir, conheci almas tão belas e verdadeiras, que finalmente me ajudaram a interromper o ciclo nómada. Acabei por criar raízes em tal profundidade, que se apaziguou em mim (sem embora se extinguir) a sede de outros lugares, de outras gentes, de outras sensações... Não precisei de procurar mais: tinha encontrado a fonte. A fonte da qual não mais me separaria, porque daí em diante a traria em mim, guardada a sete chaves, num baú que em nada anulava o seu doce rumor. A curiosidade do novo, essa, mantinha-se viva em mim, observando sempre em redor, sondando por novos sítios, sorvendo o frémito geral. O olhar mudara, era agora mais calmo, com menor tendência a dispersar-se. O sentir deixara de bater ao compasso de uma vontade estranha, quase extra-corpórea de tão impulsiva. E havia o doce rumor da fonte, minha segunda voz, que me alertava para os riscos da dispersão e me fazia correr de braços abertos para o porto de abrigo.
.
(O Rumo Que Dou A Certas Ficções)
.
0 Comentários:
Enviar um comentário