domingo, novembro 19, 2006

Em busca do arco-íris perdido

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Os arco-íris sempre me fascinaram. Quando era miúdo julgava que eram a prova material de que algures, nesta terra que pisamos, também existiam mundos de fantasia. Por mais longínquos que se situassem, por mais que andasse e nem um pouco me aproximasse do local onde começavam: existiam e pronto. Não era um daqueles devaneios de criança, uma vez que os olhos dos adultos também conseguiam captar o misterioso fenómeno - a formação de um arco-íris a partir do nada. E, o que sendo visível por todos e ao mesmo tempo capaz de surgir assim do nada, sem que os adultos o consigam explicar, abre portas a todo o tipo de fantasias possíveis de se materializarem. E além disso, por si só, a mente de uma criança não precisa de pedir licença para materializar as suas fantasias... Ela implanta-as quando como e onde bem entender.
Não foram poucas as tardes chuvosas em que me desdobrei entre os trabalhos de casa, os bonecos na TV e as fugidas à janela a procurar sinais da dita aparição. Ficava radiante quando detectava os sinais tíbios de um arco a querer esboçar-se no céu. Ao iníco, timidamente, mas depois, incentivado por um ou outro raio de sol que se escapasse por entre as nuvens, imprimindo-se com maior segurança. A transição para cores mais vibrantes era quase sempre suave, intermitente e precária. A função da chuva seria a de fertilizar o ar, o céu, onde se formaria a mais bela das pontes encurvadas, feita de um material frágil, translúcido, mas que certamente assentaria de pedra e cal na mais felizarda das terreolas. Os solos molhados não constituiriam problema e o arco suportaria sem dificuldades, acreditava eu, o peso de uma criança. Nenhum obstáculo a futuras brincadeiras, portanto.
Mas depressa me dei conta que, seja no que for, há sempre obstáculos que se opõem à nossa vontade. Os arco-íris seriam uma espécie de brecha temporal de curta duração para um mundo ímpar.
Entristecia-me o facto de desaparecerem tão depressa. Se me pusesse a caminho, ao seu encalço, nunca teria tempo de lhe chegar antes que se sumisse sem deixar rasto no céu e na terra. Esta dura evidência tive-a uma vez quando íamos de carro, em bom andamento e aparentemente em direcção ao arco, mas em todo o percurso a distância não se encurtou um mílimetro sequer. À laia de compensação para o facto de haver mundo possíveis mas fisicamente inacessíveis, refugiava-me nos meandros da imaginação. Punha-me então a imaginar que subiria por ele acima e deixar-me-ia escorregar para o outro lado. Tinha a plena convicção de que as alturas não me causariam vertigens. Quem, nos passeios escolares, adorava as velocidades e as alturas que se atingiam nos circuitos das montanhas-russas possuía certamente o traquejo para aventuras semelhantes.
Ainda hoje, dou comigo a querer tocar aquelas cores, "vê-las" com as próprias mãos e usufruir do maior escorrega (só possível porque desenhado no céu) - aquele capaz de me reacender o prazer de deslizar livremente, sorrindo ao vento. Um escorrega sem dúvida implantado num parque de diversões feito de todos os sonhos possíveis.
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