Percurso paralelo
Charles Blackman, The Journey
Nunca serei uma mão. Ou então, serei uma mão reticente, sempre em luta interna contra o desejo de posse, contra a vontade exclusivista do ego de te ter só para mim. Só a maturidade, a balança do sentir, nos ensina o equilibrio entre o que nos dita a vontade secreta e o respeito pela vontade e respiração do outro. Mas ainda assim pergunto-me até que ponto, até que nuvem, até que azul ou cinza lá no alto, conseguirei resistir à tentação de te agarrar, se o medo de te ver partir para paragens mais longínquas cresce a cada novo dia? E é tão vasto e promissor o mundo que desejas percorrer... E há mesmo em mim o desejo sincero de te ver crescer nesses vôos, de não te reter em terra, nem limitar-te os sonhos. Mas serei eu capaz de te acompanhar, de seguir a teu lado, de crescer juntamente contigo? O medo, esse atrofio senil do coração, faz-me querer agarrar-te nem que seja um pouco, ter-te nas minhas mãos, como um belo pássaro a quem afagamos o colorido das penas e o libertamos de seguida. Seja como for, creio nisto: devolver-te a liberdade, sempre, como quem nesse gesto - das mãos que se abrem em flor de dedos, ainda agraciados pelo teu calor -, deposita a coragem de te querer feliz mesmo que longe de mim e a prova de amor que é o respeito pelo trilho que queres percorrer. Porque sei que o brilho dos teus olhos é perfeito quando vogas livre nos céus... e isso... isso, guardo-o em mim, com toda a força de mãos e olhos.
3 Comentários:
Nem a maturidade nos dá esse equilíbrio, para pesar o "libertar" e o "agarrar"...um lado vai pesar sempre mais e pode sufocar o outro Ser.
Excelente prosa.
Beijinho.
óptima prosa. amar é mesmo um percurso paralelo. é a minha primeira visita, mas vou voltar.
simplesmente lindo.
parabéns.
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