Pesadelo em formato parábola
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.A sua presença faz-se sentir ao longe por meio de um rugido.Refugiei-me no cimo das escadas que dão para o sótão. Sem saber muito bem porquê, estou inteiramente ciente de que não conseguirei abrir a porta e por isso nem sequer me esforço por abri-la. Desconheço o que me levou a refugiar-me ali, mas decerto que não foi a ideia de entrar no sótão e de me esconder por entre as caixas e a tralha que os anos encarregaram de cumular de pó. Sei que em breve ficarei encurralado, mas ainda assim permaneço ali como se não tivesse outra escolha ou, mais estranho ainda, como se isso em nada me assustasse. E de facto a lenta escorrência do tempo faz-me crer que teria todo o tempo do mundo para encontrar um melhor esconderijo. O que me leva a depreender que na verdade não me escondo, que apenas aguardo o que se seguirá. Como uma inevitabilidade, faça eu o que fizer em contrário.
Quase no topo das escadas há uma descontinuidade na parede e por entre os varões que a atravessam tenho vista privilegiada para o corredor em baixo. Nessa espera silenciosa, começo a sentir cada pancada no peito como se me encarregasse de dactilografar palavra por palavra a minha sentença de morte. Esta súbita viragem na estranha calma que vinha a sentir faz-me sentir traído e abandonado por mim. A pedra no sapato estava lá, sentia-a perfeitamente, mas não lhe fiz caso: devia ter suspeitado de que toda essa calma era estranhamente anti-natural. É então que o vejo sair pata ante pata do meu quarto, mesmo ao fundo do corredor. Diria que é um leopardo. O padrão de manchas assenta que nem uma luva de veludo no seu corpo esguio. Avança lentamente em direcção às escadas, como se um sentido mais depurado que toda a amálgama dos sentidos - para mim algo de inconcebivelmente assustador - lhe revelasse exactamente onde estou e em que condição estou: sem saída possível. E não faço mais que aceitar a impossibilidade da fuga de forma resignada. Sustenho a respiração enquanto o vejo subir degrau após degrau com o olhar pousado em mim. Desvio os olhos dessas pupilas penetrantes para as angulosidades das espáduas. Quando o animal se imobiliza num degrau, a protuberância das espáduas é mais pronunciada. Sem me aperceber, rendo-me a um certo fascínio que a beleza do animal desperta em mim. O meu instinto de sobrevivência só se revela quando dou por ele perigosamente perto e lhe começo a desferir pontapés nas fauces para o manter à distância. Estranho a sua atitude para comigo. Investe com as patas como um gatinho que apenas quer brincadeira. Mas nem por isso deixo de lhe bater. Pode ser apenas estratégia dele...
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Quase no topo das escadas há uma descontinuidade na parede e por entre os varões que a atravessam tenho vista privilegiada para o corredor em baixo. Nessa espera silenciosa, começo a sentir cada pancada no peito como se me encarregasse de dactilografar palavra por palavra a minha sentença de morte. Esta súbita viragem na estranha calma que vinha a sentir faz-me sentir traído e abandonado por mim. A pedra no sapato estava lá, sentia-a perfeitamente, mas não lhe fiz caso: devia ter suspeitado de que toda essa calma era estranhamente anti-natural. É então que o vejo sair pata ante pata do meu quarto, mesmo ao fundo do corredor. Diria que é um leopardo. O padrão de manchas assenta que nem uma luva de veludo no seu corpo esguio. Avança lentamente em direcção às escadas, como se um sentido mais depurado que toda a amálgama dos sentidos - para mim algo de inconcebivelmente assustador - lhe revelasse exactamente onde estou e em que condição estou: sem saída possível. E não faço mais que aceitar a impossibilidade da fuga de forma resignada. Sustenho a respiração enquanto o vejo subir degrau após degrau com o olhar pousado em mim. Desvio os olhos dessas pupilas penetrantes para as angulosidades das espáduas. Quando o animal se imobiliza num degrau, a protuberância das espáduas é mais pronunciada. Sem me aperceber, rendo-me a um certo fascínio que a beleza do animal desperta em mim. O meu instinto de sobrevivência só se revela quando dou por ele perigosamente perto e lhe começo a desferir pontapés nas fauces para o manter à distância. Estranho a sua atitude para comigo. Investe com as patas como um gatinho que apenas quer brincadeira. Mas nem por isso deixo de lhe bater. Pode ser apenas estratégia dele...
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As minhas mazelas são insignificantes quando comparadas com as do animal. Vejo-o retroceder, vergado, e a arrastar-se em muito mau estado. No corredor, um senhor de bata branca troca vivas impressões com mais duas pessoas. Pelo que depreendo está furioso com a minha acção. O parecer geral é de que a minha atitude foi mais do que despropositada. Começo a pensar para mim: “E se ele afinal tivesse vindo por bem?” Tinham-me dito que andava um animal enraivecido pelas divisões da casa e que ele quase arrancara a perna a uma pessoa. Apesar de vivermos na mesma casa, não conhecia a pessoa em questão, nem podia avaliar da veracidade do que se dizia a respeito do seu estado. Terei avaliado mal as intenções do animal?.
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