The Carnival Is Over
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Schiele, Portrait de Friederike Maria Beer (1914)
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Ajudas-me a escolher um fato que me assente bem? Sabes como é, em tudo na vida o leque de escolhas é vasto e a estroinice quer o seu aparato. Achas que devo poupar nos padrões de cores? A sério que não? És capaz de estar certa, cada cor há-de combinar com o seu dia. E depois disto para que havemos de precisar de outra roupagem? Poremos fim aos resguardos para ocasiões futuras. Será o nosso trabalho de colagem ao corpo. Um tecido nosso, até durarmos. Que achas de irmos os dois descalços? Sim querida, estou-te a convidar. Deixa lá os calos nos pés, não te preocupes com isso... Crescer implica deixar um pouco de si ao longo dos trilhos, certo? Como gatinhar de novo, com esse prazer da descoberta. Sim, quase isso. Mas agora com o instinto do medo domesticado. Que certeza tenho eu de em vez disso seguirmos cegos e às apalpadelas? Dedos dos pés crispados? Certezas nenhumas, querida. Mas não te seduz a ideia de seguir de perto o longo cortejo de máscaras, e, oportunamente tomar o desvio certo? Nada está planeado, bem sei. Mas estou ansioso. Confiante, até, em como hão-de surgir pistas reveladoras do roteiro alternativo. Eu sei, eu sei. Não te rias. Que queres, é perfeitamente humano querer escapar à normalidade dos formatos. Por onde gostaria eu de começar? Olha, talvez pela via que nos conduzisse à autenticidade do riso. Concordas? Menos máscaras, também. Mas porque dizes que já não é possível ser-se ingénuo e estampá-lo com pinturas no rosto? Achas mesmo? Inocência a lado nenhum leva? Talvez. Pois, é a lei. Irmos de perda em perda até obtermos outros ganhos. De acordo. E nisto também?: mascaradas ocultam mais, camadas de tinta deixam um mínimo de expressão... Vá, não pensemos mais nisso... Pintas-me o rosto, que eu ajudo a colorir o teu. Pode ser?Não te cansa um pouco todo este frenesim, esta excitação geral, o facto de andarem todos a repetir o mesmo: que estes dias prometem? Que dizes? Mais promessas de uma mão cheia de nada?... Fala-se de fantasias que se entrelaçam as mãos, que descem as ruas aos pares. Que se faz amor nos becos, nos jardins. Que o mundo se transfigura, convidativo. Que o inverno, à conta de palpitações, deixa de o ser. Acreditas mesmo que as unhas, nestes dias em particular, se enterram mais profundamente nas costas? Como se não houvesse amanhã, dizem... Acreditas? Desejosas de arrecadar a sua porção de carne. Lá está, a prova justaposta à posse. Viver, será isso? Em termos de plenitude... quero eu dizer. Os sentidos focados no instante, em intensidade inigualável, como não é possível em nenhuma outra ocasião. Será isso? O despertar da nudez, para além da nudez? E não falo apenas de corpos. Talvez, mas a meu ver tudo isso se resguarda demasiado depressa. Como num sonho. Depende dos casos, mas parece-me que até as feições se esbatem... Não aguentam a luz do dia.Não sabes se gostas do fortuito que isto implica... Pois, também eu não. Quem facilmente cria amarras, precisa de algo mais. Ainda assim, estou certo que a maioria sonha em prolongar o efeito, que não se satisfaz com o efémero. Mas também aqui entra a lei: vence o efémero... Não é? Um pouco como a lotaria, dizes e bem. Joga-se e automaticamente se descarta a possibilidade da vitória. Sabe-se apenas que estar entre os felizes contemplados é probabilisticamente impossível. E chamamos palermas aos que, continuando a jogar, nem por isso se lhes abala a fé. Somos uns desiludidos? Menos iludidos, talvez. Acho que tocaste no ponto. Até porque, repara só: no dia seguinte sai-se à rua e noticiam-se os fatos a ostentarem rasgões? Não me parece. Mas se calhar, em vez disso, vêem-se mais fatos engomados, como se nada se tivesse passado. A esponja que nos afiança o regresso à normalidade. Não odeias a sensação final de não sobrar sequer um vestígio palpável? O efeito perverso nisto é a possibilidade da tal bola de neve cumulativa. Um encontro que se consome nesse instante, apela sempre à demanda por mais. Daí que eu diga que indiscutível é a voracidade desses instantes acabar por se tornar num fim em si, insaciável. Conheces pessoas que aligeiram as rotinas, o cansaço dos dias, que justificam a sua continuidade com os raros momentos de felicidade em encontros assim? Também eu conheço. Alguns confiam as suas existências, como quem vê nisso a menor das incertezas. Se os invejo? Sabes como é, o despertar de uma ilusão nunca é fácil, mesmo que mergulhes nela com a convicção de que não passa disso. A folia de saltar de ilusão em ilusão não te parece demasiado carnavalesca? Também gosto de descobrir, claro... A novidade, sim, um elixir. Mas e depois? É-se feliz fazendo da vida um ciclo entre carnavais e rotinas?Conversamos, mas olha para nós... À medida que os traços de tinta ganham vida e expressão nos nossos rostos, não te assalta a sensação de que as palavras que vimos trocando, no fundo no fundo, não têm feito outra coisa senão fugir à verdade? Porquê recear o que se insinua dentro de nós e calamos? Posso fazer-te uma pergunta e respondes-me com sinceridade? O que persegues no cortejo próximo, que não persuigas nos outros dias, nos dias ditos normais? A irrealidade? O zénite? O olhar sem barreiras? O gesto de quem, com garras, se agarra ao presente? A expressão pura por via da dança desenfreada? Os mais conspurcados entre os desejos, finalmente saciados? Está bem, eu calo-me. Tens razão. Acho melhor irmos calçados...
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2 Comentários:
Muito bonito este post.
Obrigado Parole :)
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