segunda-feira, fevereiro 12, 2007

«Gabrielle» (2005)

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No filme "Gabrielle" de Patrice Chéreau (adaptado do conto "The Return" de Joseph Conrad), Gabrielle (interpretado por uma das grandes actrizes contemporâneas: Isabelle Huppert) regressava a casa, voltando de novo para o marido, depois de lhe ter deixado um bilhete, no qual em poucas linhas lhe dizia que se ia embora para ir viver com outro homem. Caía assim por terra, de forma abrupta, todo o monólogo inicial de Jean Hervey (Pascal Greggory) - o marido -, sobre a felicidade conjugal e a devoção de que ele julgava ser alvo. E o corte-e-montagem e a sucessão de planos são taxativos a dar conta desse ponto de ruptura. É o ponto final na paz que, naquela casa, apenas vinha sendo mantida artificialmente. Até esse ponto sem retorno, a situação até que não desagradava ao marido. Convivia bem com as rotinas de uma vida sem sobressaltos, sem chama. O drama é que ele parecia não ter noção da extensão do problema, do fosso cavado entre ambos: o que estava bem para ele podia não estar bem para ela. Três horas e meia, apenas, foi quanto ela se ausentou. Envolta em véus, negros, numa solenidade e tensão de cortar à faca, como se nesse acto estivesse a cumprir-se um luto e uma espécie de ressureição/aparição, ela entrava no escritório e sentava-se, imperturbavelmente, ante o olhar incrédulo de Jean Hervey. Assombroso pedaço de filme que não páro de rebobinar mentalmente.
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É um filme de revelações e desabafos, de acariações. A intimidade lentamente vista à lupa, exposta de par a par.
De súbito, vem à tona tudo quanto as aparências e a civilidade faziam por ocultar e, até certo ponto, menosprezar. A uma das empregadas, Gabrielle chega mesmo a revelar que o seu segundo momento de maior felicidade correspondeu precisamente à sua saída de casa - essa suprema afirmação de liberdade, de desprendimento quer em relação ao conforto de uma vida de classe média-alta, quer aos afectos alheios (neste caso, os do marido). Interrogamo-nos de imediato sobre a rotina e a infelicidade de uma vida matrimonial capaz de suscitar uma tal afirmação.
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O que ao início nos confunde é o facto de, apesar de tudo, e
la ter optado pelo regresso - a última resignação a uma vida toda ela oca e resignada. Diz-nos que não podia viver segundo os padrões do amante, um editor boémio, desconstructor irónico e desencantado do «que é» e da suposta realidade. Regressou porque afinal o que perseguia era um sonho e o que nesses terrenos se edifica costuma mais tarde ou mais cedo ressarcir-se da fragilidade da edificação. Mas faz-nos compreender que não podia negar-se à possibilidade de tentar agarrá-lo. Era algo que estava dentro dela e lhe pedia para ser vivido. Regressou porque em última instância também confiava que o marido já não a amava e que, portanto, a receberia pronto a esquecer o incidente. Mas enganou-se. Diante dos nossos olhos vamos assistindo de forma brilhante à profunda transformação que se dá em Jean. Vemo-lo afundar progressivamente, crispar-se amargurado, torturado, relutante em aceitar as evidências, querendo forçar o presente a voltar para trás, para o que era dantes. Da calma e segurança do início, naturalmente, que nem vestígios.
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Gabrielle regressa então disposta a esquecer o amor, a miragem do amor - a última das ilusões perdidas - e a levar a vida pacata e insípida de sempre, uma vida pontuada por fastidiosos serões em sociedade, nos quais se actualizam os assuntos mundanos e a indispensável dose de coscuvilhice. Mas um episódio desta natureza não podia resistir sem um profundo volte-face: agora
era o marido, desvairado de dor, que já não poderia tolerar a certeza de uma vida sem amor.
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2 Comentários:


Blogger Maria P. disse...

Espelho de tantas vidas...

Beijinho*

12/02/07, 23:33  

Blogger Cláudio disse...

Gostaria de acreditar que não...

Beijinho.

13/02/07, 19:59  

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