"The Passenger / Profissão: Repórter" de Michelangelo Antonioni (1975)
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Diz-se dos filmes dele que são formalmente irrepreensíveis, inovadores, eloquentes na exposição do argumento. Que ele está para o cinema, como Henri James estaria para a literatura. Que ele nos ensina a olhar, como se o fizessemos pela primeira vez.
Neste filme em particular, parece-me que a tónica do olhar é sobretudo abordada sob o prisma das diferenças culturais. Alguém que chegue a uma cultura distante e procure compreendê-la, tem sempre o olhar de origem a contaminar-lhe a percepção das coisas. Uma zona de fricção que resiste a apreendê-la no seu elemento, tal qual ela é para os autóctones. Por mais que procure estreitar pontes, submergir-se no novo, tentar ver as coisas pelo prisma do outro, as perguntas que lhe saiem da boca soarão sempre às de um estrangeiro. Dizem mais da sua cultura do que daquela sobre a qual ele se interroga. O mesmo com as respostas. As que ele receber dirão mais daquilo que ele deseja saber ou escutar. Assim o diz um habitante de uma aldeia africana entrevistado por David Locke (Jack Nicholson). Uma das mensagens que ecoa ao longo do filme, apesar da diversidade de contornos, vem nessa linha: é impossível cortar relações com o nosso background..
.De Antonioni conhecia apenas o "Deserto Rosso" e o "Blow Up". Comum a todos eles é a sensação de estranheza com que se fica no fim. A mim obriga-me a revê-lo mentalmente, em busca do sentido que parece ter querido fugir-me ao longo do filme. E ainda estou sob o seu efeito. Não é alheio a isto o facto de Antonioni ser reconhecidamente talentoso a discorrer visualmente sobre o tema da alienação.
Algumas notas soltas sobre o filme:
- Numa aldeia africana, alguns dos habitantes são danados a cravar cigarros aos gringos que lhes apareçam com ar perdido.
- A impotência de David Locke, frente ao jipe encravado nas areias do deserto, traduz bem o seu cansaço existencial.
- Simular a própria morte, morrer para os outros, como escapatória.
- Ver um bocadito de Barcelona - a do inevitável Gaudí - pelas lentes de Antonioni.
- Viajar num descapotável, ao sabor da inconsequência, com Jack Nicholson e Maria Schneider.
- Levar com poeira nos olhos ao embrenharmo-nos na Espanha profunda, nessa que não entra nos roteiros turísticos. Pode ser esse o resultado, ou pior ainda, quando se persiste na loucura de adoptar uma nova identidade. Os laços com o passado não se cortam assim impunemente. Não se lhe foge por mais que à nossa frente a estrada se abra em múltiplas direcções. A alienação, por mais conotada que esteja com a errância e a dispersão, acaba por ser a via mais rápida para a auto-imolação.
- Ainda estou para perceber a técnica por detrás daqueles cerca de sete minutos finais, sequenciais, em que a câmara vai abrindo em zoom para o exterior por entre as grades de uma janela, como se atravessasse o minúsculo espaço entre elas. (Creio que esta cena ombreia com a abertura do "Psycho" de Hitchcock.) E nesses sete minutos, elípticos, cabe o tempo de uma morte.
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Diz-se dos filmes dele que são formalmente irrepreensíveis, inovadores, eloquentes na exposição do argumento. Que ele está para o cinema, como Henri James estaria para a literatura. Que ele nos ensina a olhar, como se o fizessemos pela primeira vez.
Neste filme em particular, parece-me que a tónica do olhar é sobretudo abordada sob o prisma das diferenças culturais. Alguém que chegue a uma cultura distante e procure compreendê-la, tem sempre o olhar de origem a contaminar-lhe a percepção das coisas. Uma zona de fricção que resiste a apreendê-la no seu elemento, tal qual ela é para os autóctones. Por mais que procure estreitar pontes, submergir-se no novo, tentar ver as coisas pelo prisma do outro, as perguntas que lhe saiem da boca soarão sempre às de um estrangeiro. Dizem mais da sua cultura do que daquela sobre a qual ele se interroga. O mesmo com as respostas. As que ele receber dirão mais daquilo que ele deseja saber ou escutar. Assim o diz um habitante de uma aldeia africana entrevistado por David Locke (Jack Nicholson). Uma das mensagens que ecoa ao longo do filme, apesar da diversidade de contornos, vem nessa linha: é impossível cortar relações com o nosso background..
.De Antonioni conhecia apenas o "Deserto Rosso" e o "Blow Up". Comum a todos eles é a sensação de estranheza com que se fica no fim. A mim obriga-me a revê-lo mentalmente, em busca do sentido que parece ter querido fugir-me ao longo do filme. E ainda estou sob o seu efeito. Não é alheio a isto o facto de Antonioni ser reconhecidamente talentoso a discorrer visualmente sobre o tema da alienação.
Algumas notas soltas sobre o filme:
- Numa aldeia africana, alguns dos habitantes são danados a cravar cigarros aos gringos que lhes apareçam com ar perdido.
- A impotência de David Locke, frente ao jipe encravado nas areias do deserto, traduz bem o seu cansaço existencial.
- Simular a própria morte, morrer para os outros, como escapatória.
- Ver um bocadito de Barcelona - a do inevitável Gaudí - pelas lentes de Antonioni.
- Viajar num descapotável, ao sabor da inconsequência, com Jack Nicholson e Maria Schneider.
- Levar com poeira nos olhos ao embrenharmo-nos na Espanha profunda, nessa que não entra nos roteiros turísticos. Pode ser esse o resultado, ou pior ainda, quando se persiste na loucura de adoptar uma nova identidade. Os laços com o passado não se cortam assim impunemente. Não se lhe foge por mais que à nossa frente a estrada se abra em múltiplas direcções. A alienação, por mais conotada que esteja com a errância e a dispersão, acaba por ser a via mais rápida para a auto-imolação.
- Ainda estou para perceber a técnica por detrás daqueles cerca de sete minutos finais, sequenciais, em que a câmara vai abrindo em zoom para o exterior por entre as grades de uma janela, como se atravessasse o minúsculo espaço entre elas. (Creio que esta cena ombreia com a abertura do "Psycho" de Hitchcock.) E nesses sete minutos, elípticos, cabe o tempo de uma morte.
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4 Comentários:
guardei um rascunho muito pobre e pateta sobre este filme. dizia isto: gostei do momento em que se dá o primeiro flashback, no hotel. e gostei da última sequência. engenhosa, não?
bang me.
Jack Nicholson, um dos meus ídolos da representação.
Um abraço
tenho aprendido aqui umas coisas!
Gosto da leitura que aqui fazes do filme. Nos minutos finais, o tempo suspende-se, à espera da morte "anunciada".
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