A última escala do tramp steamer
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Álvaro Mutis, na sua adjectivação certeira e escrita enxuta, introduziu-me, como poucos até hoje, às artes e encantos de marear. Às suas rotinas tramadas, também. Abriu-me um portal de onde pude mirar os espíritos daqueles cujos hábitos condensam uma forma muito própria de viver e pensar, um peculiar arrastar de modos e circunspecções, que adquirem anos a fio nessa lenta escorrência do tempo, nessa copiosa suspensão sobre águas. Fui leitor, tripulante e passageiro, navegando rios acima num tramp steamer decadente. Assisti aos seus destinos, aos elos fiados ao longo de várias e distantes aportagens. Respirei os primeiros ares de cidades costeiras, mesmo nunca lá tendo estado. Percorri ruas ora caóticas, ora sedutoras. Admirei com Iturri a sensualidade feminina do levante. Warda, de seu nome. Vi rasgos de luz encarnarem num corpo, perfilado harmoniosamente por uma sensibilidade rebelde e inconformada com a sua sina de levantina. Ouvi os rumores de sentimentos a agitarem-se. Aflorei, voyeuristicamente, num quarto em Lisboa, a primeira noite de amor de Iturri e Warda. Fui ouvinte atento desse amor narrado, desfiado ao longo de longas noites à coberta do cargueiro Alcíon. Acompanhei, sofri com o desenlace. Aceitei-o, resignado, frente aos desígnios que desde a génese o congeminaram. Para terminar, apenas me ocorre dizer que valeu a pena a viagem a bordo deste belíssimo livro.
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1 Comentários:
E está um texto incrível que dá vontade de ler o livro (entretanto já encontrei "As velas ardem até ao fim" e vou começar a lê-lo!)
um beijinho
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