John Cassavetes – Faces (1968)
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Rostos belos, uns mais que outros; no fundo, todos belos; uns mais marcados pela (enferm)idade; outros, imaculados, sem marcas visíveis, o que não invalida que as hajam. A juventude, a jovialidade, não necessariamente sinónimos, disputam-se. Aparentemente o elixir da juventude bebe-se na proximidade, na companhia de pessoas na flor da idade. Não é algo que se adquire, supostamente já lá estava: porém, adormecido. Acorda e é algo que salta à vista: no riso quase histriónico, na gesticulação sem regra nem compasso. Por exemplo, na noite em que Richard Forst conhece Jeannie ou na cena do clube nocturno em que Maria Forst e amigas se deixam seduzir pela vitalidade do jovem Chet e se decidem por uma sequela, em casa, que a festa não podia morrer ali.A abordagem é por vezes crua de tão directa, como se estivéssemos não apenas a assistir mas directamente envolvidos nas conversas e discussões familiares. Por momentos somos espectadores cuscando os vizinhos do lado. Para esta pretensa proximidade talvez contribua o facto de o registo cénico e as performances dos actores não enjeitarem as do mundo do teatro: é um filme onde tudo vibra: corpos e diálogos. A clausura, os ambientes fechados também dão nota disso. É justo dizer que em Cassavetes, até certo ponto, cinema e teatro irmanam-se, contaminam-se (no bom sentido do termo). E este filme em particular até resulta da adaptação de uma peça do próprio Cassavetes. Além de planos cerrados, com a câmara colada à pele, o filme conta com sequências de extrema mobilidade, seguindo as personagens obsidiantemente pelas divisões. É nessa superfície do corte e do close-up versus mobilidade, mais do que na voracidade das vozes, que se vê algo de novo a irromper: um mal-estar, uma inquietude, que só podem ser dissipados por tracção e movimento.
As razões do mal-estar que divide o casal Forst não são totalmente explicitadas. Podemos tentar adivinhar o óbvio, correndo o risco da banalização: o cansaço acumulado ao longo de vários anos de vida em comum; Maria, a esposa entediada, sub-valorizada; Richard, o director-chefe de uma empresa importante, colidindo com a pacífica vida doméstica. Ao conhecer Jeannie (Gena Rowlands, em mais um grande desempenho), Richard (John Marley) encontra não apenas um escape, não apenas diversão e certa dose de folia, mas uma espécie de alma gémea. Não sendo pessoas de carpir mágoas por aí além, preferem antes dançar, cantar, beber. Elegem o riso como melhor remédio e nisso não poupam os pulmões: são ruidosos, quase estridentes, como para afugentar os espectros que os mortificam durante o dia. Luz e sombra em tensa e rica coabitação no olhar rasgado de Gena Rawlands, quanto a mim um dos rostos mais inquietantes que, bem para lá de telas e ecrãs, povoam o meu imaginário.
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Rostos belos, uns mais que outros; no fundo, todos belos; uns mais marcados pela (enferm)idade; outros, imaculados, sem marcas visíveis, o que não invalida que as hajam. A juventude, a jovialidade, não necessariamente sinónimos, disputam-se. Aparentemente o elixir da juventude bebe-se na proximidade, na companhia de pessoas na flor da idade. Não é algo que se adquire, supostamente já lá estava: porém, adormecido. Acorda e é algo que salta à vista: no riso quase histriónico, na gesticulação sem regra nem compasso. Por exemplo, na noite em que Richard Forst conhece Jeannie ou na cena do clube nocturno em que Maria Forst e amigas se deixam seduzir pela vitalidade do jovem Chet e se decidem por uma sequela, em casa, que a festa não podia morrer ali.A abordagem é por vezes crua de tão directa, como se estivéssemos não apenas a assistir mas directamente envolvidos nas conversas e discussões familiares. Por momentos somos espectadores cuscando os vizinhos do lado. Para esta pretensa proximidade talvez contribua o facto de o registo cénico e as performances dos actores não enjeitarem as do mundo do teatro: é um filme onde tudo vibra: corpos e diálogos. A clausura, os ambientes fechados também dão nota disso. É justo dizer que em Cassavetes, até certo ponto, cinema e teatro irmanam-se, contaminam-se (no bom sentido do termo). E este filme em particular até resulta da adaptação de uma peça do próprio Cassavetes. Além de planos cerrados, com a câmara colada à pele, o filme conta com sequências de extrema mobilidade, seguindo as personagens obsidiantemente pelas divisões. É nessa superfície do corte e do close-up versus mobilidade, mais do que na voracidade das vozes, que se vê algo de novo a irromper: um mal-estar, uma inquietude, que só podem ser dissipados por tracção e movimento.
As razões do mal-estar que divide o casal Forst não são totalmente explicitadas. Podemos tentar adivinhar o óbvio, correndo o risco da banalização: o cansaço acumulado ao longo de vários anos de vida em comum; Maria, a esposa entediada, sub-valorizada; Richard, o director-chefe de uma empresa importante, colidindo com a pacífica vida doméstica. Ao conhecer Jeannie (Gena Rowlands, em mais um grande desempenho), Richard (John Marley) encontra não apenas um escape, não apenas diversão e certa dose de folia, mas uma espécie de alma gémea. Não sendo pessoas de carpir mágoas por aí além, preferem antes dançar, cantar, beber. Elegem o riso como melhor remédio e nisso não poupam os pulmões: são ruidosos, quase estridentes, como para afugentar os espectros que os mortificam durante o dia. Luz e sombra em tensa e rica coabitação no olhar rasgado de Gena Rawlands, quanto a mim um dos rostos mais inquietantes que, bem para lá de telas e ecrãs, povoam o meu imaginário.
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2 Comentários:
carago, lembro-me de ver isto num buraco qualquer
hà tanto, tanto tempo que já não me lembro de quase nada
lembro-me de fragmentos do filme e de que foi mesmo num buraco
o que me foste lembrar. torrente aqui vou eu
Um filme excelente e um texto que lhe faz justiça.
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