Melancolia que estranhamente conforta
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Ouço mal acordo. Ouço durante o dia. Durante a noite nem se fala. Ouço ao deitar e acho que até ouço a dormir, em sonhos. Ninguém percebe esta minha fixação. Paixão dir-se-ia. Ou quase ninguém.
Pois bem, é este, na minha humilde e modesta opinião, um álbum de estreia que roça a perfeição. Exagero? A culpa é destes suecos que não o fazem por menos. Gravadas algumas demos, invariavelmente insatisfeitos com os resultados, só avançaram para voos mais altos quando se sentiram com maturidade suficiente para lapidar o diamante que tinham em mãos. E, cada vez mais, é assim que deve ser, que este mundo não está para amadorismos e mostra-se cada vez menos condescendente no que toca a passos em falso (e se à nascença, pior).
O jogo de vozes à la "Beauty and the Beast", mais que um contraponto, é uma díade como as faces de uma moeda atirada ao ar, girando, girando. No geral, as vocalizações guturais de Anders Jacobsson, também poeta (o que até romantiza a aura "Beast"), não caiem nos excessos que em parte tipifica o death metal - o que para mim é ouro sobre azul (poderia dizer o mesmo, mas com cores ligeiramente mais negras). Na voz seráfica de Lisa Johansson, ó riacho de águas cristalinas, encontro a doçura que conforta após a tempestade. Mas não se pense que este é um álbum de cataclismos: estamos sobretudo no domínio do doom. Em face disto, escorrem de cada faixa gotas da mais prostrante melancolia e os riffs de guitarra parecem reinventar a linguagem do lamento. O doom metal, não poucas vezes, é um último abraço aos condenados da vida. Daqueles que se despedem, se apagam ao fundo do túnel e afinal voltam, recriando um ciclo.
Quero ainda salientar (vamos lá etiquetar o post) a rica apropriação de elementos folk, faixas com pontuações e acentuações certeiras de guitarras acústicas, violino e piano; as arrebatadoras distorções nos terrenos do rock progressivo (piscadela de olho aos Opeth?).
Sim, há por aqui muita dor, muita renúncia, renegação, sensação de perda e vazio, amores perdidos, anjos caídos e idos, mas momentos igualmente luminosos que transcendem a palete dos cinzas, as cores do negrume. Melancolia que estranhamente conforta. E sim há conteúdo, há lirismo, poesia para quem se dê ao trabalho de a procurar. Sob a capa da dureza e de uma mais que enganosa aridez fui sendo guiado por entre tesouros e acredito que outros também o poderão ser..
Draconian, Where Lovers Mourn (2003)
.Ouço mal acordo. Ouço durante o dia. Durante a noite nem se fala. Ouço ao deitar e acho que até ouço a dormir, em sonhos. Ninguém percebe esta minha fixação. Paixão dir-se-ia. Ou quase ninguém.
Pois bem, é este, na minha humilde e modesta opinião, um álbum de estreia que roça a perfeição. Exagero? A culpa é destes suecos que não o fazem por menos. Gravadas algumas demos, invariavelmente insatisfeitos com os resultados, só avançaram para voos mais altos quando se sentiram com maturidade suficiente para lapidar o diamante que tinham em mãos. E, cada vez mais, é assim que deve ser, que este mundo não está para amadorismos e mostra-se cada vez menos condescendente no que toca a passos em falso (e se à nascença, pior).
O jogo de vozes à la "Beauty and the Beast", mais que um contraponto, é uma díade como as faces de uma moeda atirada ao ar, girando, girando. No geral, as vocalizações guturais de Anders Jacobsson, também poeta (o que até romantiza a aura "Beast"), não caiem nos excessos que em parte tipifica o death metal - o que para mim é ouro sobre azul (poderia dizer o mesmo, mas com cores ligeiramente mais negras). Na voz seráfica de Lisa Johansson, ó riacho de águas cristalinas, encontro a doçura que conforta após a tempestade. Mas não se pense que este é um álbum de cataclismos: estamos sobretudo no domínio do doom. Em face disto, escorrem de cada faixa gotas da mais prostrante melancolia e os riffs de guitarra parecem reinventar a linguagem do lamento. O doom metal, não poucas vezes, é um último abraço aos condenados da vida. Daqueles que se despedem, se apagam ao fundo do túnel e afinal voltam, recriando um ciclo.
Quero ainda salientar (vamos lá etiquetar o post) a rica apropriação de elementos folk, faixas com pontuações e acentuações certeiras de guitarras acústicas, violino e piano; as arrebatadoras distorções nos terrenos do rock progressivo (piscadela de olho aos Opeth?).
Sim, há por aqui muita dor, muita renúncia, renegação, sensação de perda e vazio, amores perdidos, anjos caídos e idos, mas momentos igualmente luminosos que transcendem a palete dos cinzas, as cores do negrume. Melancolia que estranhamente conforta. E sim há conteúdo, há lirismo, poesia para quem se dê ao trabalho de a procurar. Sob a capa da dureza e de uma mais que enganosa aridez fui sendo guiado por entre tesouros e acredito que outros também o poderão ser..
16 Comentários:
vejo-te bem a ouvir de manhã, à tarde, à noite, a dormir... e até te vjo com a guitarra electrica no anexo a tirar isto muito rápido e a participares o mais completamente possível, sem faltar nada no teu universo musical. imagino a redenção. acertei?
Parece que escrevi isto sob efeito de narcóticos. Cada vez menos me vejo capaz de escrever sob uma forma que não seja o panegírico. Se calhar acham-me excessivo, uma mente delirante que facilmente sucumbe ao fascínio da descoberta do novo, como quem se maravilha frente aos abismos do desconhecido, frente a vales encantados. Não me importo. Gozo mais assim :)
Tirando o facto de estar limitado a três cordas apenas, imaginas bem. Estrelinha, até parece que me conheces :)
dá-me narcóticos desses. eu gosto de te ler assim, como gosto de te ler sempre, como sabes...
gosto que não te importes, principalmente. que gostes...
três cordas, ainda? rapaz, investe...
Algumas destas transacções, inadvertidamente, lá vêem a luz do dia. Mas há que ter cuidado com a cedência de narcóticos... :)
Tenho de investir mesmo. Sinto os dedos estão cada vez menos calejados ;) e esta via de expressão a atrofiar-se.
Agradeço-te tanto a companhia, o olhar e a atenção que dedicas às minhas palavras. Sabes que é recíproco, não sabes? Beijinho, Estrelinha.
e com três cordas apenas...
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sabes que eu e a papelinha entrámos em mui injusta combinação (para ela) e gostava muito de fazer umas revisões contigo.
:) Mas se foste tu que me ensinaste os primeiros acordes, lembras-te? Até pareceria mal vir agora o aluno armar-se em chico-esperto :)
má vontade a tua...
sabes bem que ainda estou nos primeiros acordes...
Hmm, vamos lá ver. Quem dera a muitos estar ao nível dos teus primeiros acordes... Mas se quiseres, dentro das minhas parcas capacidades e abundantes limitações, ensino-te o "Over Now" dos Alice in Chains. Acho que ias fazer boa figura frente à Papelinha :)
Ensino-te, não. Mostro-te. :) Vês no que dá o chico-espertismo... Dá-se-lhe confiança e depois é isto...
tentei claúdio, tentei mesmo!
os meus ouvidos não estão habituados... a voz feminina agradou-me, bem como a melodia de fundo (bem de fundo).
abraço
luísa
Pingente, fico contente pela tua tentativa :) E mais contente ainda porque no fundo no fundo até houve coisas que te agradaram. Abraçinho.
Ouvi, gostei à minha maneira.
Vou saíndo com um sorriso...:)
Beijinho*
Sim senhor. Apesar de eu não ser um adicto inveterado destas sonoridades, garanto-te que estas me caíram bem. Nota-se à distância que tem qualidade. Procurarei as letras para ver a poesia que delas emana. Agora esse teu diálogo com a Estrelinha tem todo o sentido de humor... E foi ela enviar-te a morada da loja de música. (Boa estrelinha) lol De facto se fores à tal loja, os senhores até são bem capazes de te colocar as cordas de borla, com a crise que por aí anda... Eu, por mim, com a velha viola acústica, que me preenche um pequeno espaço da sala, já fiz semelhante avaria. :)
Agora te digo, em relação ao texto, que gostei claro! E mais te digo que uma coisa temos nós em comum - a música 'devora-nos' a alma. Abraço
queria achar-te excessivo, uma mente delirante que facilmente sucumbe ao fascínio da descoberta do novo, como quem se maravilha frente aos abismos do desconhecido, frente a vales encantados. arranja-se por aí?
;)
Maria P., sair daqui com um sorriso já é muito bom... É que não costumo dar muitas oportunidades a que isso aconteça ;)
Verdades, fico contente por te terem caído bem, por teres-lhes dado uma oportunidade.
No geral acho que existe um preconceito quanto a este tipo de sonoridades. Mas nada como dar-lhe primeiro a atenção devida e depois sim julgar. Ninguém é obrigado a gostar, claro. Mas julgar sem conhecer isso acho feio.
Quanto às moradas: ela fez o favor de as deixar aqui, bem visíveis, porque ela sabe bem o quão comodista eu sou (ou posso ser). Pois, nada lisonjeiro, mas é assim. :)
Temos isso em comum, temos. Música e eu devoramo-nos. Mutuamente. Não sou muito pelas relações assimétricas. Gosto da lei de Newton, a do par acção-reacção.
Abraço.
Estrelinha, os meus excessos guardo-os nos rascunhos que estão lá muito bem ;) Além do mais, mentes excessivas encontram-se em toda a parte. É o que não falta no mundo dos blogues :)
Não é verdade!:)
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