segunda-feira, fevereiro 11, 2008

O amor de Orfeu e as Ménades

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Emile Levy, Orpheus Slain By The Thracian Women (c.1895)
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Saudade órfica, aquela que nos leva a passar por cima dos medos e descer aos infernos só para tentar re(a)ver a amada. V
isceral ao ponto de desejar ténue essa cortina de ferro, perene desde o início dos tempos, sem retorno, interposta entre mundos em tudo antagónicos. Por impossibilidade de a franquear recria-se o inferno na terra com todos os seus suplícios. A dor não olha a meios sobre até onde se está disposto a ir, just for love. Orfeu e Eurídice, protagonistas do que pode ser lido como metáfora sobre a inexorabilidade da morte, uma reflexão sobre a viuvez, sobre o amor além-vida, além-morte. No mito como no real a morte dita as suas regras. É tudo uma questão de descida caso se baixem os braços, caso se baixem as armas. E aqui entram precisamente as Ménades (insinuaram-se a Orfeu, uma e outra vez, e este teimava em ignorá-las; despeitadas, desprezadas, a sede de vingança só logrou saciar-se ao despedaçaram-lhe o corpo). Funcionam assim como símbolo de forças reactivas que se insurgem contra o beco sem saída em que o viúvo se deixa atolar, contra a apatia e a indiferença que lhe limitam a existência, incapaz de voltar a fruir o que quer que seja. A incapacidade de construir um novo caminho, as oportunidades perdidas são atitudes que se voltam contra o próprio. A actuação das Ménades, enquanto precipitadoras de um destino trágico, reenviam-nos para uma questionável equivalência de escalas temporais: ao fim e ao cabo, qual a diferença entre uma longa vida imersa em tristeza e inércia ou uma vida abrupta e violentamente encurtada tal como sucede no mito? Outras questões se levantam como o respeito pela dor e o sofrimento alheio ou o direito de puxar alguém para a vida, mesmo contra vontade expressa do próprio. As Ménades acabam muito justamente punidas e o amor de Orfeu glorificado para memória póstuma. Mas um amor mais forte que a vida teria sido posto em causa se Orfeu tivesse voltado a amar outra pessoa? Creio no óbvio: a ser assim, se o mito ainda se aguentasse como mito, o que é tudo menos certo, seria indubitavelmente outro.
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1 Comentários:


Blogger Maria P. disse...

"Mas um amor mais forte que a vida..."

Esta frase diz tanto, se "isto" existe será mesmo verdade, ou mais um mito?!...

Bjinho*

11/02/08, 23:26  

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