Bem-lhe-quer
.
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Fausto:
Conheceste-me, anjo do meu coração,
Quando há pouco no jardim entrei?
Margarida:
Não vistes? Pus logo os olhos no chão.
Fausto:
E perdoas a liberdade que tomei?
E o que se permitiu minha ousadia
Quando da tal catedral saías no outro dia?
Margarida:
Era a primeira vez, fiquei perturbada;
Ninguém tinha nada que me apontar.
E pensei: Será que ele viu no teu andar
Qualquer coisa imprópria ou mais ousada?
Parece que ao primeiro olhar
Uma moça como eu decidiu namorar.
O que me deu, confesso não sei,
Para logo em mim achardes só favor;
Só sei que comigo me zanguei
Por convosco me não poder zangar.
Fausto:
Meu amor!
Margarida:
Posso?
Colhe um malmequer e começa a arrancar as folhas, uma a uma.
Fausto:
Que é isso? Um ramalhete?
Margarida:
É só um jogo.
Fausto:
Qual?
Margarida:
Não troceis! Ide!
Desfollha o malmequer, murmurando.
Fausto:
Que murmuras?
Margarida (a meia voz):
Bem-me-quer, mal-me-quer...
Fausto:
Oh, anjo em figura de mulher!
Margarida (continuando):
Bem-me-quer... mal... bem... mal-me-quer...
(Arrancando a última folha, num grito de pura alegria.)
Bem-me-quer!
Fausto:
Minha vida! É um divino oráculo.
O que essa flor te diz: que ele te quer bem!
Entendes o que isso é, que ele te quer bem?
Pega-lhe nas mãos.
Margarida:
Sinto um calafrio!
Fausto:
Não estremeças! Deixa que este olhar
E o calor desta mão te digam
O que é inefável é:
A entrega total e o sentir
Um êxtase que tem de ser eterno!
Eterno, sim! Seu fim seria desespero.
Um fim não! Não, sem fim!
Margarida aperta-lhe as mãos, liberta-se e foge. Ele fica um momento absorto e depois segue-a.
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in Fausto de Johann W. Goethe (tradução de João Barrento)
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Caspar David Friedrich, Couple Gazing at the Moon (1807)
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Fausto:
Conheceste-me, anjo do meu coração,
Quando há pouco no jardim entrei?
Margarida:
Não vistes? Pus logo os olhos no chão.
Fausto:
E perdoas a liberdade que tomei?
E o que se permitiu minha ousadia
Quando da tal catedral saías no outro dia?
Margarida:
Era a primeira vez, fiquei perturbada;
Ninguém tinha nada que me apontar.
E pensei: Será que ele viu no teu andar
Qualquer coisa imprópria ou mais ousada?
Parece que ao primeiro olhar
Uma moça como eu decidiu namorar.
O que me deu, confesso não sei,
Para logo em mim achardes só favor;
Só sei que comigo me zanguei
Por convosco me não poder zangar.
Fausto:
Meu amor!
Margarida:
Posso?
Colhe um malmequer e começa a arrancar as folhas, uma a uma.
Fausto:
Que é isso? Um ramalhete?
Margarida:
É só um jogo.
Fausto:
Qual?
Margarida:
Não troceis! Ide!
Desfollha o malmequer, murmurando.
Fausto:
Que murmuras?
Margarida (a meia voz):
Bem-me-quer, mal-me-quer...
Fausto:
Oh, anjo em figura de mulher!
Margarida (continuando):
Bem-me-quer... mal... bem... mal-me-quer...
(Arrancando a última folha, num grito de pura alegria.)
Bem-me-quer!
Fausto:
Minha vida! É um divino oráculo.
O que essa flor te diz: que ele te quer bem!
Entendes o que isso é, que ele te quer bem?
Pega-lhe nas mãos.
Margarida:
Sinto um calafrio!
Fausto:
Não estremeças! Deixa que este olhar
E o calor desta mão te digam
O que é inefável é:
A entrega total e o sentir
Um êxtase que tem de ser eterno!
Eterno, sim! Seu fim seria desespero.
Um fim não! Não, sem fim!
Margarida aperta-lhe as mãos, liberta-se e foge. Ele fica um momento absorto e depois segue-a.
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in Fausto de Johann W. Goethe (tradução de João Barrento)
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8 Comentários:
De Goethe só li 'Werther' mas de facto este senhor é genial. E também as traduções de João Barrento sempre muito boas, que há que dar salvas a quem as merece. Abraço ;)
O Werther foi o primeiro que li do sr. Goethe. É uma excelente porta de entrada para o universo ficcional do homem. Um livro que fez furor na altura em que saiu. Houve muitas almas que o lerem de forma extremada até. Tempos de paixões exacerbadas. Cunham-no de primeiro romance moderno alemão. Mas parece-me que pelo tema e pela construção das personagens ainda tem um pé firmado no romantismo.
Acontece-me por vezes ser introduzido a certos livros por via dos filmes. Foi o caso do "Werther". Vi o filme do Max Ophuls e soube logo que tinha que ler o livro. Com o "Fausto" passou-se o contrário.
Há muito tempo que ando para ler as "Afinidades Electivas". Depois que li um pequeno livro de ensaios de José Jiménez em que ele se referia ao "Afinidades", a minha curiosidade aumentou ainda mais. Ottilie, Eduard e Charlotte são nomes de personagens que um dia hei-de conhecer. O problema são as pilhas de livros que se acumulam e a inversa disponibilidade para os ler.
O "Fausto" é uma daquelas obras perante as quais me sinto muito pequenino. Abstenho-me de falar nele e limito-me a transcrever passagens. Ponho-me no meu lugar.
O João Barrento tem feito mais pela divulgação da literatura alemã que qualquer outra pessoa neste país. Merece todos os louvores e mais alguns. Além de tradutor é um grande ensaísta. Dele já li quase todos os ensaios publicados na Cotovia. O homem é um gigante. Tive saudades do tempo em que ele escrevia no Mil Folhas. Mas num feliz dia descobri que ele tinha um blogue. E desde então não o tenho largado.
Um abraço!
Sim de facto o facto o livro 'Werther' foi de leituras extremadas naquele tempo, a ponto de almas que o leram se deixarem influenciar, perecendo por auto-imposição. 'Fausto' e 'Afinidades electivas' são duas falhas minhas, mas de facto é como dizes, o tempo também não pode chegar a tudo, mas um dia esses dois irão entrar na minha vida, espero.
Quanto ao João Barrento, sim de facto ele é enorme e também tenho presente a mesma ideia que tu em relação à divulgação da literatura alemã. Agora as obras dele, enquanto ensaísta desconheço. Será que, a propósito, me podes enviar o blog dele? Assim poderia conhecer melhor a sua obra. ;)
Aqui vai o endereço do blogue do João Barrento:
http://escrito-a-lapis.blogspot.com/
É um daqueles blogues que vale mesmo a pena acompanhar.
;)
Ainda não li...
O quadro aposto que é do Caspar David Friedrich! (gosto deste pintor pelos mundos que mostra nos seus quadros)
Sim, Redonda, o quadro é dele. Tinha-me esquecido de o indicar. Mas a falha foi já reparada. ;)Beijinho.
atrás de ti irei amor, até ao fim do mundo
cairei a teus pés como as pétalas da flor
teus olhos falaram fitando os meus um só segundo
em mão se me entregaram num poema de amor
E agora quando voltei pensei primeiro que não tinha reparado que tinha a indicação e me tinha precipitado no comentário :)
Não era falha nenhuma...seria até engraçado tentarmos adivinhar os autores de quadros assim tão bonitos e gostei do nome do quadro que não sabia qual era.
um beijinho
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