Rumo ao farol
Caminho à beira-mar. O areal a perder de vista e não se vê quase vivalma. Estamos no Outono, mas o sol ainda aconchega a pele. O mar já mais revolto, mas ainda com as cores e os reflexos do Verão. Os sulcos na areia, feitos pelos tractores da faina, parecem trincheiras onde, há algumas semanas atrás, centenas de pessoas se esticavam sobre as toalhas. Vou a um passo regular, sem pausas. As minhas pernas dizem-me que poderia fazê-lo indefinidamente. Lá muito ao longe o farol, que vislumbro por entre uma névoa muito ténue. No meu íntimo quero elegê-lo como destino. Mas não importa se não for hoje, nem amanhã, nem depois. Enquanto caminhar assim à beira do mar, sentir-me-ei sempre acompanhado, como se me fundisse na sua imensidão. O que verdadeiramente importa não é aonde vou chegar. É o agora. E toda a beleza à minha volta. O areal vai-se tornando cada vez mais uma tela lisa onde vão escasseando as pegadas. As dunas invioladas, alisadas pelo vento. Sensação de deixar a civilização para trás se exceptuar alguns detritos humanos que o mar repeliu das entranhas. No declive de uma duna, restos de pneus, garrafas e cordame encontram-se dispostos formando a palavra AMOR. Quem terá sido? E desde quando é que ali está? O mar conta-me histórias duras, de inclemência, de tenacidade, de esforço e superação. O mar é verdadeiro em tudo o que conta. E tantos a dizerem que é traiçoeiro. Mas não faço coro com essas vozes. Temperamental, sim. Com muitos estados. Que podem mudar de um instante para o outro. Mas ninguém pode dizer que lhe desconhece a verdadeira natureza. Lembro-me de assistir, era eu ainda criança, ao meu pai e outros senhores a transporem o areal num ápice e atirarem-se ao mar para socorrer um senhor que se estava a afogar e que chegou mesmo a ser engolido e a sumir-se da nossa vista. E o mundo como que suspenso, longamente suspenso, até ao instante em que os seus vultos emergiram à tona. O mar é como é e também daí o seu fascínio. Perdi a noção do tempo. Parece-me que estou muito longe de tudo. Passo por bandos de gaivotas. Tão imóveis à minha passagem, que parecem hipnotizadas pela força do mar. Mais à frente, por entre guinchos, as escamas prateadas de um carapau a servir-lhes de festim. Pequenas conchas reluzem na areia, lambidas pela espuma da rebentação. A areia quente sob os pés, o vaivém das ondas mesmo ao lado, o vento no rosto, os salpicos de maresia, tudo é conforto. E sabe bem sentir os músculos das pernas a retesarem-se, contrariando velhos hábitos. Durante todo este tempo, cruzei-me apenas com um senhor que vinha a correr, os pés a chapinharem na fina película de água remanescente que aguarda por uma nova onda a despenhar-se. Também ele terá a sua relação especial com o mar. Não há como não ter.
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